quarta-feira, 19 de julho de 2017

"O desafio pós-recessão", editorial do Estadão

Deixar para trás a recessão, mesmo com a economia em marcha muito lenta, é hoje uma ambição razoável, mas será preciso um avanço muito maior para o País se juntar ao grupo dos emergentes dignos desse nome. Para crescer 5% ao ano, acima de seu desempenho na última década, mas ainda abaixo do padrão das economias dinâmicas da Ásia, o Brasil precisará elevar sua poupança estrutural de 16% para uns 22,5% do Produto Interno Bruto (PIB) e o investimento para uns 25% ou 26%. Será um esforço bem maior que o necessário a países como Chile, Colômbia, México e Peru, segundo uma análise recém-divulgada pela agência de classificação de crédito Standard & Poor’s (S&P). O aumento da poupança interna será essencial para permitir um maior dinamismo sem excessiva dependência de capitais estrangeiros. Poupança externa pode reforçar o crescimento, mas a dependência em excesso pode converter-se em armadilha.
O Brasil poupa e investe bem menos que outras economias latino-americanas e isso tem-se refletido num desempenho econômico bem mais fraco. Entre 2004 e 2016, o investimento nominal das seis maiores economias da região, incluída a brasileira, ficou em 21,5%. A do Brasil foi quase sempre inferior a 20%. Em 2016, a taxa nominal brasileira limitou-se a miseráveis 15,4%, enquanto as de Chile, Colômbia, México e Peru ficaram entre 22,5% e 25,5%. As taxas estruturais, estimadas para condições de pleno emprego, situaram-se entre 19,9% para o Brasil e 27,7% para a Colômbia. A Argentina é o único país do grupo com números piores que os brasileiros.
Investir mais e elevar a eficiência do capital investido é recomendação geral, mas especialmente importante para as duas economias com cifras piores. Poupar mais é condição para aumentar o investimento em condições seguras e isso, de modo geral, dependerá de melhor resultado das contas públicas. A prescrição ganha obviamente importância especial no caso do Brasil, por causa da situação dramática das finanças governamentais.
É preciso realçar esse ponto. Não se trata de consertar as finanças governamentais apenas (se couber esta palavra) para atender a um critério contábil, para ceder a pressões do mercado financeiro ou para cumprir um rito de inspiração neoliberal. Nada disso. O ajuste das contas públicas é essencial para o aumento da poupança interna e, portanto, para uma expansão segura do investimento em máquinas, equipamentos, obras de infraestrutura e construções para fins empresariais.
É essencial, em outras palavras, para o aumento do potencial produtivo e da capacidade de crescimento econômico. Disso depende a criação de empregos. Mantras ideológicos são insuficientes para produzir efeitos materiais como o reforço da capacidade produtiva.
Para o Brasil, o potencial de crescimento está limitado a 2,8%, segundo a S&P. Outras fontes apontam números menores, mais próximos de 2%. De toda forma, indicam uma capacidade de crescimento sustentável muito menor que a de outras economias emergentes.
Como se nada disso tivesse algum significado, parlamentares continuam estraçalhando as finanças públicas. O projeto do novo Refis, concebido para proporcionar R$ 13,8 bilhões de receita ao Tesouro neste ano, foi desfigurado e quase inutilizado – e isso é apenas parte da orgia de irresponsabilidade fiscal em Brasília.
Enquanto isso, a recuperação apenas iniciada continua em marcha lenta e aos tropeços. Em maio, a atividade econômica recuou 0,9% em relação a abril, segundo o Monitor do PIB da Fundação Getúlio Vargas. A notícia positiva aparece no crescimento de 0,7% na comparação com maio de 2016. O mesmo relatório, no entanto, mostra um novo recuo do investimento em capital físico, no confronto com o ano anterior. Outro dado positivo, o saldo de 67,36 mil empregos formais criados no primeiro semestre, também sustenta algum otimismo, até porque a indústria de transformação contribuiu com 27,78 mil. Mas esses ganhos só se consolidarão com decisões prudentes e decentes na Praça dos Três Poderes. Não é fácil apostar nisso.