terça-feira, 18 de julho de 2017

"Reflexos da desigualdade educacional na sociedade", por Maria Alice Setubal

Folha de São Paulo


Nossa incapacidade de ofertar e garantir uma educação básica de qualidade para todos acarreta consequências graves não só para pessoas em maior situação de vulnerabilidade, mas para todo o conjunto da sociedade.

O Atlas da Violência, produzido pelo Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) em parceria com o Fórum Brasileiro de Segurança Pública, indica que o Brasil está entre os países mais violentos do mundo -foram 59.080 homicídios em 2015, taxa de 28,9 por 100 mil habitantes.

A pesquisa confirma também as diferentes faces de nossas desigualdades. De cada 100 pessoas assassinadas no Brasil, 71 são negras. Do total de óbitos causados por homicídios, 46,8% são cometidos contra jovens de 15 a 19 anos.

Pesquisa recente, realizada pelo sociólogo Marcos Rolim com jovens que cumpriam medidas socioeducativas no Rio Grande do Sul por atos considerados de maior violência, revela que a perda de vidas está diretamente conectada à falta de oportunidades educacionais e de inserção no mundo do trabalho.

Embora os perfis e as histórias de vida desses jovens sejam múltiplos, podemos destacar a recorrência de casos de vulnerabilidade e de abandono escolar entre eles -em muitos casos aos 11 e 12 anos.

É nessa idade, na transição do 5º para o 6º ano do ensino fundamental, que verificamos um dos gargalos de nossa educação.

Trata-se de um momento crucial: os estudantes deixam de ter um professor de referência e passam a uma multiplicidade de disciplinas, que muitas vezes não fazem sentido para eles.

Exemplo disso é o fato de a taxa de reprovação no 6º ano ser o dobro da do 5º ano, chegando a mais de 14%, o que representa quase meio milhão de estudantes retidos. Ainda que mais crianças, adolescentes e jovens estejam na escola, o avanço no aprendizado tem se dado de maneira muito desigual.

Ao analisar a evolução dos resultados do Ideb (Índice de Desenvolvimento da Educação Básica), entre 2005 e 2015, o professor José Francisco Soares demonstra que, embora as médias das escolas tenham avançado, o quintil mais pobre da população permaneceu no mesmo estágio.

No ensino médio, a situação é ainda mais alarmante. A reprovação no 1º ano chega a 16,6%, e o abandono, a 8,8% -mais de 800 mil estudantes, em números absolutos. É preciso lembrar que mais de 15% da população de 15 a 17 anos está fora da escola. E os que lá estão não aprendem.

Frente a esse grande desafio, algumas políticas já poderiam estar amplamente disseminadas, como a adoção de professores coordenadores para atuar ao lado dos professores de disciplinas específicas e uma maior abertura da escola para ao diálogo com pais e a políticas de correção de fluxo e reforço.

É urgente avançar na construção de projetos que levem em conta valores caros aos adolescentes e jovens, como a valorização do grupo, a autonomia, a autoria e o desenvolvimento de atividades que permitam a eles se sentirem pertencentes ao colégio.

Nosso papel como sociedade é acompanhar de perto como as políticas são implementadas em cada localidade e cobrar para que sejam oferecidas as condições necessárias de ensino e aprendizagem. Isso requer reivindicar o cumprimento dos planos de educação.

Em âmbito nacional, a regulamentação do regime de colaboração e a própria construção do Sistema Nacional de Educação, ambas previstas no Plano Nacional de Educação, que acaba de completar três anos, precisam sair do papel.

Num momento em que o país está perdendo seus jovens, é imperativo que as políticas educacionais cumpram seu papel.

Como aponta estudo do Cenpec (Centro de Estudos e Pesquisas em Educação, Cultura e Ação Comunitária), quanto maior a situação de vulnerabilidade dos jovens, mais eles dependem da escola para definir seu destino, pois não possuem outros recursos econômicos, sociais ou culturais para mitigar uma trajetória de fracasso escolar.