quinta-feira, 17 de agosto de 2017

Gasto com pessoal consome 60% da receita dos Estados

Adriana Fernandes e Idiana Tomazell - O Estado de S.Paulo


O crescimento dos gastos com Previdência foi um dos fatores que contribuíram para a explosão das despesas com pessoal nos Estados. Entre 2010 e 2016, a participação do quanto esses gastos abocanham de todas as receitas arrecadadas cresceu 6,9 pontos porcentuais, para 59,8%, um número considerado elevado pela secretária do Tesouro, Ana Paula Vescovi. Isso significa que de cada R$ 100 que os Estados arrecadam, R$ 60 são gastos para pagar as despesas com funcionários, aposentados e pensionistas.
O que mais chama a atenção, segundo a secretária, é a velocidade desse processo de desequilíbrio fiscal que pode agravar ainda mais a já delicada situação das finanças estaduais num contexto de queda de arrecadação. “A consequência disso foi a compressão de investimentos e o aumento dos desequilíbrios nos orçamentos.”
Contas públicas
O Estado do Rio, que tem pesadas despesas com servidores inativos, adotou medidas de aperto que causaram revolta na população  Foto: Fábio Motta/Estadão
Diante dessa ampliação nas despesas com pessoal, nove Estados ultrapassaram em 2016 os limites da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para esses gastos. O teto é o equivalente a 60% da Receita Corrente Líquida (RCL), mas Minas Gerais, Rio de Janeiro, Rio Grande do Sul, Paraná, Mato Grosso do Sul, Paraíba, Mato Grosso, Goiás e Rio Grande do Norte destinaram mais do que isso ao pagamento de sua folha no ano passado. O recordista é Minas Gerais, com 78,76% de sua RCL comprometida com pessoal. Uma situação altamente alarmante e que sufoca a capacidade de o governo estadual oferecer os serviços essenciais que são de sua responsabilidade, como educação e policiamento.
Apenas dois Estados usam a mesma metodologia do Tesouro para esse cálculo: Rio de Janeiro e Rio Grande do Norte. O restante recorre a subterfúgios, muitas vezes patrocinados por seus Tribunais de Contas Estaduais (TCEs), para maquiar as contas e muitas vezes descontar despesas que deveriam ser consideradas como de pessoal.
“Há diferenças de apuração e precisamos trabalhar juntos pela convergência”, diz a secretária. Esse alinhamento é ainda mais importante para aqueles que pretendem aderir ao Regime de Recuperação Fiscal (RRF). “Temos de estar na mesma página do ponto de vista contábil.” Estados com pesadas despesas com servidores inativos como Rio de Janeiro e Rio Grande do Sul precisaram adotar medidas de aperto, como a elevação da contribuição previdenciária, e estão hoje na fila por socorro da União. O governo fluminense já protocolou o pedido de adesão ao RRF e a administração gaúcha está em tratativas para a elaboração do plano de recuperação.
Pelos dados do boletim, apenas um Estado hoje está habilitado a aderir ao RRF, que é o Rio de Janeiro. Ironicamente, o Rio Grande do Sul, que já está em negociação para ter o socorro, precisará antes reconhecer que seus gastos com pessoal têm pesado mais para sua grave situação fiscal do que mostram os dados do próprio Estado.
Avanços. Apesar desse quadro, o Tesouro observou que a situação financeira dos Estados melhorou no ano passado, e eles conseguiram adiar menos despesas. Os atrasos e deficiências que chegaram a R$ 19,9 bilhões em 2015 caíram a R$ 13,7 bilhões no ano passado. “Diminuiu o grau de postergação de despesas para o ano seguinte”, Ana Paula. Segundo ela, houve um esforço na contenção de despesas com servidores ativos, o que contribuiu para a melhora nas contas. Em média, o gasto com a folha caiu 3,07% em termos reais em 2016 em relação ao ano anterior.
“O que observamos é que a situação dos Estados melhorou, mas isso não indica uma melhora definitiva”, diz ana Paula Vescovi.
Apesar dos esforços dos Estados para conter os gastos com servidores ativos no último ano, essa despesa têm tido crescimento acelerado nos últimos anos. Na média, o avanço real, já descontada a inflação, foi de 23,7% de 2010 a 2016. Esse aumento no gasto com a folha foi liderado por Mato Grosso, Minas Gerais e Rio de Janeiro, onde essas despesas cresceram mais de 40% acima da inflação no mesmo período.
Na edição do boletim com dados de 2015, oito Estados estavam desenquadrados nos gastos com pessoal segundo o Tesouro Nacional, mas apenas um reconhecia essa realidade. Havia ainda a situação irônica do Tocantins, que dizia extrapolar o limite, o que não ocorria de fato nas contas do governo federal.
PARA LEMBRAR
Municípios não cumprem lei
Sem dinheiro em caixa, seja por causa da recessão que derrubou a arrecadação nacional ou por uma boa dose de má gestão, mais de duas mil prefeituras estão fora da lei, segundo estudo da Federação das Indústrias do Estado do Rio de Janeiro (Firjan), divulgado na semana passada. Entre os municípios, 937 deixaram de apresentar o balanço anual à Secretaria do Tesouro Nacional (STN), 575 estouraram o limite de gastos com pessoal no ano passado e outros 715 deixaram um rombo de R$ 6,3 bilhões de restos a pagar para a nova gestão municipal – medida que pode resultar até na prisão dos ex-prefeitos. 
O índice do ano passado teve uma ligeira melhora em relação a 2015, mas esse dado não é resultado de uma recuperação das prefeituras. Os indicadores das cidades foram influenciados pela entrada de recursos da repatriação feita no ano passado. Não fosse por esse instrumento, os municípios teriam ficado com uma nota ainda pior.

Um exemplo é o gasto com pessoal. De acordo com o estudo, 575 prefeituras, ou 12% das cidades que apresentaram balanço para a STN, estouraram o limite da Lei de Responsabilidade Fiscal de 60% das receitas. Sem a repatriação, esse número subiria para 871 municípios. O mesmo ocorre com os restos a pagar. Sem o dinheiro extra, o número de prefeitos que não deixou para o próximo gestor caixa suficiente para cobrir os restos a pagar subiria de 715 para 1.043.