terça-feira, 19 de setembro de 2017

"A liderança de Merkel", editorial da Folha de São Paulo

Odd Andersen/AFP
Election posters of German Chancellor Angela Merkel (CDU,L) and her main rival Martin Schulz (SPD, R) are seen as a cyclist cross Yorckstrasse in the Schoeneberg neighbourhood in Berlin on September 17, 2017. / AFP PHOTO / Odd ANDERSEN
Cartazes eleitorais de Angela Merkel e de Martin Schulz, em Berlim, Alemanha


A eleição marcada para o próximo domingo (24) na Alemanha terá, tudo indica, o mesmo desfecho das três anteriores: vitória de Angela Merkel. O esperado triunfo reforçará a imagem de estabilidade que a chanceler conservadora transmite ao resto do mundo.

No poder desde 2005, ela já é a chefe de governo há mais tempo no cargo na União Europeia. Se triunfar de novo e cumprir seu mandato até o fim, em 2021, vai se equiparar a seu primeiro mentor na política, Helmut Kohl (1930-2017) —o governante mais duradouro no país depois da Segunda Guerra.

Ao longo dos últimos 12 anos, Merkel mostrou-se uma política discreta, mas assertiva no trato com aqueles dos quais diverge. O antagonismo a Donald Trump, evidenciado nas negociações do acordo de mudança climática, rendeu-lhe o epíteto de "líder do mundo livre" —o que ela rejeita.

Na figura de comandante "de facto" da UE, a chanceler se fez fiadora da integração ao articular a permanência da Grécia no bloco durante a crise econômica, uma posição que desagradou inclusive a parte da base de seu partido, a CDU (União Democrata-Cristã).

A seu favor, Merkel dispõe da recuperação da eurozona, o grupo de 19 países que adotam o euro como moeda, em crescimento há 17 trimestres consecutivos. O PIB alemão registrou o maior avanço em 2016 entre as principais economias ricas (1,9%), e o desemprego é o mais baixo desde 1980 (3,6%).

Em um país com população envelhecida e necessidade de mão de obra, a líder pragmática pesou tais fatores ao abrir as portas a mais de 1 milhão de migrantes e refugiados que escapavam das guerras no Oriente Médio, em 2015.

A decisão a fez ganhar espaço entre eleitores de esquerda e simpáticos a causas sociais. Entretanto agravou a insatisfação com suas políticas ante as alas mais tradicionais da CDU e, pior, fortaleceu o discurso da direita nacionalista, representada pela AfD (Alternativa para a Alemanha).

Em situação inédita no pós-guerra, o país terá uma sigla abertamente xenófoba com voz no Parlamento. As pesquisas apontam a AfD no terceiro lugar, com cerca de 10% das intenções de voto.

Entre os analistas alemães há consenso de que a direita populista por ora não reúne capital político para ambições maiores, como integrar a coalizão governista.

Reacendeu-se, porém, o temor do passado autoritário não tão distante. Um dos desafios do provável último mandato de Merkel, que ainda não formou um sucessor, será conter os extremistas na tribuna.