quarta-feira, 20 de setembro de 2017

"A tragédia no STF", por Thomaz Pereira

Pedro Ladeira/Folhapress
BRASILIA, DF, BRASIL, 17-08-2017, 12h00: Sessão do STF, sob a presidência da ministra Carmen Lucia. O STF retoma julgamento de quatro ações ajuizadas pela Confederação Nacional dos Trabalhadores na Indústria impugnando leis de três Estados (PE, RS e SP) e do município de São Paulo que proíbem a produção, comércio e uso de produtos com amianto nos respectivos territórios. (Foto: Pedro Ladeira/Folhapress, PODER)
Sessão do Supremo Tribunal Federal, sob a presidência da ministra Cármen Lúcia, em agosto


Folha de São Paulo


Na Economia, a noção de "tragédia dos comuns" designa o risco de esgotamento de um bem coletivo em razão do uso egoísta por membros da coletividade.

Sendo os benefícios pessoais, e os custos diluídos no grupo, cada indivíduo tem incentivo para usar o recurso ao máximo -e à exaustão.

O conceito explica a atual situação do Supremo Tribunal Federal. A sua autoridade é um recurso escasso, da qual depende o respeito por suas decisões. É também um recurso coletivo, que cada ministro tem usado conforme seus próprios interesses.

Ao atuarem individualmente, os ministros se beneficiam sozinhos da autoridade coletiva do tribunal -e a erodem.

A autoridade da corte é por eles consumida em pronunciamentos políticos na imprensa, em liminares heterodoxas, em pedidos de vista que impedem o julgamento de processos e em participações em julgamentos em que deveriam se declarar suspeitos.

Os economistas sugerem duas soluções para a "tragédia dos comuns": regulação ou cooperação. Nenhuma delas parece funcionar no caso do STF.

Não falta regulação. Tanto a lei como o regimento interno do tribunal disciplinam o comportamento dos ministros, sem sucesso.

A lei proíbe que deem opinião sobre decisões judiciais ou processos pendentes de julgamento, mas isso não os tem impedido de se manifestarem corriqueiramente na imprensa.

Liminares muitas vezes são concedidas mesmo sem apoio na jurisprudência do STF, ou mesmo quando proibidas por lei específica. E, quando concedidas de forma controversa, nem sempre são prontamente submetidas ao plenário.

Pedidos de vista interrompem julgamentos por meses, ou mesmo anos, ignorando o prazo regimental. Arguições de impedimento são arquivadas sem serem levadas ao plenário, tornando cada ministro o único juiz de sua própria suspeição.

Na ausência de instituição capaz de impor o cumprimento das regras existentes, só resta a cooperação como limite mútuo entre os ministros. No entanto, estes não se coordenam para limitar seus colegas. Permitem que cada um aja sem receio do colegiado.

Ficam, assim, desenhadas as condições para o esgotamento individual da autoridade coletiva do Supremo.

A preocupação não é teórica. A corte já experimenta reações a decisões individuais de seus magistrados. Quando uma liminar determinou o afastamento de Renan Calheiros (PMDB-AL) da presidência do Senado Federal, o tribunal foi surpreendido pela resistência dos senadores, indicando que só obedeceriam ao colegiado.

Quando outra liminar determinou o retorno à Câmara dos Deputados do projeto das dez medidas contra a corrupção, um "acordo" teve de ser feito depois que Rodrigo Maia (DEM-RJ) sugeriu que o melhor caminho seria esperar uma decisão do plenário.

Aos poucos o tribunal é forçado a perceber na prática a escassez da sua autoridade, esbanjada irresponsavelmente.

Sobre o tema, ministros e seus defensores poderiam mencionar pesquisas que indicam maior confiança da população no Judiciário do que no Legislativo ou no Executivo. Não chega a ser motivo de comemoração, porém. Todos os três Poderes têm níveis de confiança baixos.

Em 2017, o Índice de Confiança na Justiça Brasileira, medido pela FGV Direito SP, foi de apenas 24%. Não só muito baixo como 5 pontos abaixo do índice de 2016.

A tragédia do Supremo Tribunal é que ele corre o risco de descobrir que desperdiçou sua autoridade apenas no momento em que suas determinações deixem de serem seguidas. Se isso vier a ocorrer, tragicamente, será tarde demais.

THOMAZ PEREIRA, 35, professor da FGV Direito Rio, é mestre e doutorando em direito pela Universidade Yale (EUA)