quarta-feira, 20 de setembro de 2017

"Impacto da violência será sentido na eleição de 2018, e não apenas no Rio", por Igor Gielow

José Lucena/Futura Press/Folhapress
Polícia Militar e Civil fazem uma grande operação na comunidade da Rocinha, na Zona Sul do Rio de Janeiro (RJ), na manhã desta segunda-feira (18)
Polícia Militar e Civil fazem grande operação na comunidade da Rocinha, na zona sul do Rio, na manhã da segunda-feira (18)


Folha de São Paulo


Em novembro de 2010, ganhou notoriedade a impressionante imagem de traficantes armados até os dentes correndo numa estrada que liga a favela da Vila Cruzeiro ao Complexo do Alemão, um dos pontos que a propaganda da era Cabral vendia como "pacificado" no Rio de Janeiro.

No fim de semana passado, celulares captaram a invasão de dezenas de homens portando fuzis na favela da Rocinha, a maior do país. Era uma disputa entre facções rivais, e a polícia achou melhor não se meter, enquanto o Estado bate cabeça com as Forças Armadas colocadas à disposição até o fim de 2018.

O escárnio a que a população mais pobre do Rio foi submetida no hiato de quase sete anos entre as duas imagens é uma eloquente demonstração do fracasso do poder público no cartão-postal simbólico do país. O impacto cumulativo desse descaso será intenso não só na disputa estadual, mas tende a afetar a complicada corrida presidencial de 2018.

Sem uma expectativa de solução institucional para o crime, cresce o potencial de eco para discursos mais ou menos salvacionistas. No Rio, as agruras judiciais do ex-governador Anthony Garotinho (PR) tendem a dificultar as chances de ocupar esse espaço. O ex-prefeito Eduardo Paes (PMDB) parece ter tolhidas sua chances pela associação carnal ao grupo que destruiu o Estado.

O caminho se abre então para o ex-prefeito Cesar Maia (DEM), amparado pela favorecida posição nacional de seu partido, que detém a presidência da Câmara. Restaria avaliar como ele iria modular seu discurso sobre a segurança. O ex-técnico de vôlei Bernardinho (Partido Novo) é o nome na manga da elite da Casa das Garças, mas soa uma total incógnita.

Seja como for, qualquer um desses nomes precisará dizer algo ao cidadão comum. Como mostrou pesquisa do Datafolha, no Brasil 60% das pessoas têm medo de sair de casa à noite, e 35% não confiam na polícia.

No campo nacional, isso é um campo aberto para o estatismo militarista sem-noção de Jair Bolsonaro (PSC, logo PEN). Mas as limitações estruturais de sua candidatura projetam talvez uns 15% do eleitorado, segundo a avaliação corrente hoje em partidos e no mercado. É muito, mas não ganha eleição.

A retórica da ordem tende a ser capturada então por um dos concorrentes majoritários da centro-direita, uma vez que esquerdistas têm tanto medo do tema quanto o cidadão de sair de casa: para eles, é tudo culpa das mazelas sociais do capitalismo e da brutalidade policial. O prefeito paulistano, João Doria (PSDB), se encaixa por estilo numa faixa de frequência que pode se comunicar com esse sentimento de temor.

Seu rival interno no tucanato, o padrinho Geraldo Alckmin, tem em seu favor números. Se tem uma PM com fama de violenta e as estatísticas são um tanto falíveis, o governador pode mostrar que o índice de homicídios no Estado caiu de 21,9 mortes por 100 mil habitantes para 12,2 de 2005 a 2015 (mais de seis desses anos sob seu governo direto, o restante de aliados).

É uma taxa medonha ainda, mas quase escandinava quando comparada com a média nacional: 28,9 homicídios por 100 mil habitantes em 2015, sempre segundo o Atlas da Violência 2017. É quase o dobro do que se mata proporcionalmente no conflagrado México, e em números brutos produzimos mais cadáveres do que a guerra na Síria naquele ano.

Oferecer soluções para essa tragédia, sem cair em falácias salvacionistas ou mistificações como as UPPs do Rio ou as inúteis ocupações militares de morros, é o desafio para os candidatos. Sob pena de vermos mais e mais cenas como as do Alemão, da Rocinha, nos anos a seguir.