segunda-feira, 16 de outubro de 2017

"De volta a Battisti", editorial da Folha de São Paulo

Antonio Scorza-10.dez.2009/AFP
(FILES) This file photo taken on December 10, 2009 shows Italian leftist activist Cesare Battisti leaving Rio de Janeiro's Federal Court on December 10, 2009, after testifying. Battisti, sentenced to life in prison for homicide in his country, was arrested on October 4, 2017 in Brazil, on the border with Bolivia, a spokesman for the Federal Police said. / AFP PHOTO / ANTONIO SCORZA ORG XMIT: ASC004
O terrorista Cesare Battisti deixa a Justiça Federal do Rio de Janeiro após prestar depoimento, em 2009


Condenado na Itália à prisão perpétua por participação em quatro assassinatos ocorridos na década de 1970, o ex-militante de extrema esquerda Cesare Battisti conhece mais uma reviravolta em seu convulsionado destino judicial.

Em 2010, uma decisão pessoal do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT) atribuiu a Battisti a condição de refugiado político, impedindo que fosse extraditado para seu país natal.

Eis que, por um incidente ao que tudo indica sem maior importância —Battisti dirigia-se à Bolívia, portando no bolso dinheiro não declarado à Receita—, as autoridades brasileiras identificaram um fato novo que daria motivos para retomar o processo de sua extradição.

O caso, como nas ocasiões anteriores em que foi a julgamento (só na França, país a que se dirigira inicialmente, Battisti enfrentou processos de extradição em 1991 e em 2004), reveste-se de inúmeras complicações jurídicas e deverá ser reexaminado agora pelo Supremo Tribunal Federal.

Uma liminar do ministro Luiz Fux impediu a extradição até que seja julgado habeas corpus encaminhado pela defesa do italiano.

Argumenta-se, por exemplo, que o prazo de cinco anos para rever a decisão de Lula já se extinguiu; que não há como falar em relações de confiança (quebradas, segundo o governo, no episódio boliviano) entre um país e um indivíduo que é considerado imigrante com visto de permanência; ademais, Battisti tem um filho brasileiro.

Evidencia-se, de parte do governo, o interesse em reparar os arranhões que a indulgência lulista deixou nas relações com a Itália —rápida em conceder a extradição de um condenado no processo do mensalão, Henrique Pizzolato, para que cumprisse pena no Brasil.

Se o Planalto, nesse episódio, parece mover-se por "razões de Estado" (termo onde muitas vezes cabem atos juridicamente controversos), não há dúvida que Battisti, por sua vez, beneficiou-se de simpatias de setores da esquerda (organização criminosa do Lula) que só se explicam por um misto de sentimentalismo e estultice.

Não há como considerar perseguido político alguém já condenado (à prisão perpétua) num país democrático como a Itália, e já extraditado pela França.

Odiosos atos extremistas, se cometidos por alguém de outra índole ideológica, decerto não contariam com tanta solidariedade.

As democracias, entretanto, não seguem o regime das paixões arbitrárias.

Resta ao STF analisar os novos aspectos do caso, sob uma ótica que não é das emoções imediatas nem dos interesses de Estado, mas sim a das letras claras da lei.