sexta-feira, 13 de outubro de 2017

Livrar Aécio com rosto encoberto seria escárnio

Com Blog do Josias - UOL


Há duas semanas, quando a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal suspendeu o mandato de Aécio Neves, trancando-o em casa à noite, o Senado ferveu. Com os ânimos em ebulição, os senadores foram ao plenário decididos a rasgar a decisão da Suprema Corte. Foi um absurdo. Sem vocação para grandes decisões, a maioria do Supremo rebaixou o pé-direito do seu plenário e delegou aos congressistas a palavra final sobre sanções cautelares impostas a eles mesmos. Foi um acinte. Agora, o Senado discute à sombra a hipótese de livrar Aécio do castigo por meio de uma votação secreta. A volta do “voto-capuz” numa hora dessas seria uma opção preferencial pelo escárnio.
Impressiona a capacidade dos parlamentares de desprezar a lógica para zombar da opinião pública. Eles não perdem a oportunidade de perder oportunidades. Insistem em fazer o pior da melhor maneira possível. A caçoada aumenta quando se recorda que o próprio Aécio Neves veio à boca do palco há um ano e dez meses para fazer uma defesa enfática do voto aberto. Aécio pegou em lanças contra o voto secreto no final de 2015, quando o Senado teve de deliberar sobre a prisão do então senador Delcídio Amaral. (repare no vídeo abaixo).
A prisão de parlamentares está regulamentada no artigo 53 da Constituição. Prevê que deputados e senadores são invioláveis por suas opiniões, palavras e votos. Só podem ser presos “em flagrante de crime inafiançável.” Nessa hipótese, o processo tem de ser enviado pelo Supremo ao Senado ou à Câmara em 24 horas. E a Casa legislativa tem a prerrogativa de confirmar ou revogar a prisão. Foi aplicando este artigo 53, por analogia, que o Supremo decidiu, por 6 votos a 5, transferir para o Legislativo a palavra final sobre as punições cautelares (alternativas à prisão) de parlamentares. O texto original do artigo da Constituição previa em seu parágrafo 3º que a decisão dos senadores ou deputados seria tomada “pelo voto secreto da maioria de seus membros.”
Em 2001, porém, o Congresso alterou o texto. Por meio da emenda constitucional número 35, suprimiu a expressão “voto secreto”. Pela nova redação, Senado e Câmara devem deliberar “pelo voto da maioria dos seus membros.” Ironicamente, Aécio presidia a Câmara na ocasião em que o voto secreto foi apagado da Constituição. Renan tentou ressuscitar o “voto-capuz” na apreciação da prisão de Delcídio. Escorou-se numa regra prevista no regimento interno do Senado. Entretanto, líderes oposicionistas, entre eles Aécio, reagiram com duas providências. Numa, protocolaram no Supremo um mandado de segurança pedindo a concessão de liminar que obrigasse Renan a respeitar o voto aberto. Noutra, apresentaram em plenário uma “questão de ordem” para que Renan reconsiderasse sua decisão. O pedido foi indeferido. Mas Renan, numa liberalidade inusual, submeteu sua decisão ao plenário.
Por 52 votos a 20, mais duas abstenções, os senadores revogaram a decisão de Renan e restabeleceram o voto aberto. Minutos depois da proclamação do resultado, chegou ao plenário do Senado a notícia de que o ministro Edson Fachin, do STF, concedera liminar no mandado de segurança ajuizado pela oposição. Ordenara que o Senado deliberasse à luz do dia, com os nomes estampados no painel eletrônico. Aécio festejou. Depois, votou “sim”, avalizando a prisão de Delcídio. Hoje, trancado em seus rancores, o grão-tucano faz silêncio sobre a articulação para a volta do voto sem rosto. A vergonha na cara é matéria-prima escassa em Brasília. O escárnio é a única indústria que prospera na Capital.