quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Holanda, vida louca na bicicleta

Mônica Nóbrega, O Estado de São Paulo

Na Holanda, a menor distância entre dois pontos é sempre uma ciclovia. E a maior, um carro. Eu sei, qual a novidade? Você cansou de ver aquelas fotos instagramáveis de bicicletas encostadas na gradinha dos canais de Amsterdã. São lindas mesmo, fazem suspirar, mas não é delas que falo aqui.





Bicicleta e os canais de Amsterdã: pura inspiração.  Foto: Bruna Toni/Estadão
A novidade é que quando digo menor distância, estou sendo literal. As ciclovias deste país – afirmo com a autoridade de quem visitou cinco cidades nos últimos dias – são feitas para serem rápidas, retilíneas, capilarizadas e fáceis de usar. O máximo possível.
Já os carros, ah, os carros. Eles demoram. Dão voltas demais. Se enrolam e enrolam a vida de quem está dentro. Ficam presos em semáforos que demoram a lhes dar passagem e, quando ficam verdes, é por poucos segundos; logo vem de novo a luz vermelha e as bicicletas voltam a ganhar a rua.
Para dar uma ideia, do meu hotel em Utrecht à Estação Central de trens, trajeto que fiz algumas vezes, eram 3,2 km e 13 minutos pedalando. De táxi, que usei no último dia para poder ir com a mala pegar o trem, 5 km em 26 minutos. Foram tantos sinais vermelhos, voltas e retornos que a corrida saiu por 17,90 euros. Quase meia hora e 70 reais para um deslocamento de 5 km.
Em Amsterdã, ao perguntar no centro de informações turísticas onde poderia pegar um táxi para um determinado lugar, recebi da atendente uma cara de incredulidade, seguida da resposta: “Mas por que você faria isso?”. Mesmo na tarde chuvisquenta, ela me convenceu de que um carro era a pior escolha.
Modos de usar. Mas, embora a bicicleta seja o jeito mais gostoso, barato e racional de turistar na Holanda, pedalar aqui não é apenas uma brincadeirinha turística. A bike é o transporte de todo dia da maioria da população. De terno, de saia, de salto, com laptop no alforje, o pessoal pedala para ir trabalhar, fazer mercado, voltar da faculdade, levar filho para a escola. Ou seja, estão com pressa.
A bike é unidade de medida das distâncias. Quer saber se a pessoa mora longe do centro? “Vinte minutos de bicicleta”, é o que se escuta como resposta. Os “estacionamentos” de bicicletas podem ser bem lotados.







'Estacionamento' abarrotado no centrão de Haia: mais praticidade, menos glamour.  
Foto: Mônica Nobrega/Estadão

Por isso, para turistas, a vida nas ciclovias pode causar algumas dúvidas e sustos – mas só no começo e aprende-se muito rápido, juro. Nem toda parte é linda como os centros históricos de Amsterdã e Utrecht (mas a maioria é). Em Haia tem umas avenidonas feiosas e uns pedaços em reforma que nem de longe se parecem com city tour. Ah, e as motos e lambretas usam também a ciclovia. São muitas.
Em várias ruas é difícil distinguir o que é ciclovia do que é calçada do que é rua do que é trilho de tram. Os meios de transporte compartilham (mesmo) todos os espaços: carros chegam a subir na calçada nas ruas estreitas, ônibus passam por cima dos trilhos, pedestres andam pela ciclovia se for preciso.
No meio de tudo isso, o que o ciclista forasteiro precisa é aprender a “dar seta”. Isso é feito apontando com um dedo o lado para o qual você vai virar. Pronto, todo mundo dá passagem. O que nos leva ao segundo aprendizado, confiar. Algo que é especialmente difícil para os maltratados ciclistas paulistanos. A gente tem medo, e com razão. Mas na Holanda, os carros e os ônibus não correm. Eles dão passagem o tempo todo.
“Na Holanda todo motorista é, ele mesmo, um ciclista. Então ele vai dar passagem”, me garantiu o guia Jitte Roosendaal, ao ver o meu medo de atravessar uma avenida em Utrecht.
É o sonho de cidade amigável, aberta a todas as possibilidades de mobilidade. Reconheço e admiro, sem nenhum complexo de vira-latas e cheia de inspiração: os holandeses conseguiram.