quinta-feira, 23 de novembro de 2017

Livro diz que ditadura ignorou pistas sobre morte de diplomata

Marcelo Godoy, O Estado de S.Paulo

Paulo Dionísio de Vasconcelos tinha 34 anos e era segundo-secretário da embaixada brasileira em Haia, na Holanda, quando o encontraram em seu Lancia Fulvia com um corte profundo no pescoço. Era 4 de agosto de 1970. Em 24 horas, a polícia holandesa concluiu que se tratava de suicídio – havia uma lâmina de barbear em uma poça de sangue no carro e testemunhas diziam não ter visto ninguém, além do diplomata, no carro. Em sua rapidez, a apuração desprezou provas de uma chantagem ou conspiração contra o diplomata. Como as pistas que levavam a um homem em Londres nunca foram investigadas, o caso foi encerrado para o alívio do Itamaraty.
É essa história que o jornalista Eumano Silva reconstrói em seu livro A Morte do Diplomata, um mistério arquivado pela ditadura militar (Tema Editorial, 205 pág., R$ 35). Eumano teve a ajuda da família de Paulo Dionísio – de sua viúva, filhas e irmãos, entre eles o ex-deputado federal Paulino Cícero (MG) –, que nunca aceitou a tese do suicídio, para reconstruir a vida e a carreira do diplomata. Consultou diários, cartas e documentos do Itamaraty. Encontrou na correspondência diplomática mais preocupação com o monitoramento de opositores do regime militar exilados na Europa do que interesse em elucidar todas as circunstâncias da morte do brasileiro.
Era uma época em que diplomatas se haviam tornado alvo das guerrilhas latino-americanas. Eles foram sequestrados e mortos em 1970. Na Guatemala, o embaixador alemão ocidental Karl von Spreti foi sequestrado e morto por guerrilheiros. No Uruguai, o cônsul brasileiro Aloysio Gomide era mantido em cativeiro pelos Tupamaros e, no Brasil, o embaixador alemão Erenfried von Hollenben, sequestrado pela Vanguarda Popular Revolucionária (VPR) e pela Ação Libertadora Nacional (ALN), havia sido solto em troca da libertação de 40 presos políticos.
Europa. A violência política também explodia na Europa. Meses antes, uma bomba fascista deixara 17 mortos e 80 feridos na sede do Banco Nacional da Agricultura, em Piazza Fontana, em Milão. Assim, quando a notícia da morte de Paulo Dionísio chegou a Brasília, o Itamaraty logo se viu diante de mais uma crise – naquele momento, guerrilheiros Tupamaros mantinham em cativeiro o cônsul Gomide.
A conclusão da polícia holandesa, afastando a hipótese de homicídio, nunca respondeu ao que teria provocado um diplomata se matar às vésperas do nascimento da sua segunda filha. Seus diários nada revelam, exceto a preocupação banal com a conta de telefone de um inquilino que ele teria de pagar em Brasília.
É aí que o trabalho do repórter Eumano ganha relevo. O contraste com a dedicação de diplomatas à perseguição de opositores do regime é realçado pelo descaso com que são tratadas várias cartas enviadas a Paulo Dionísio – algumas das quais chegaram à embaixada após sua morte – por um misterioso remetente de Londres. Elas acusam o diplomata de ter participado de uma conspiração que levou um homem à prisão na Inglaterra e exigem que ele entre em contato com um escritório de advocacia londrino. Apesar das boas conexões da embaixada brasileira com a polícia londrina, nada foi apurado. Eumano descobriu que o escritório existia, assim como os advogados. Mas o mistério permanece: por que o diplomata morreu? A diplomacia do regime não quis indagar até o fim.