domingo, 10 de dezembro de 2017

Cruzada contra a mídia americana

Cláudia Trevisan, O Estado de S.Paulo

WASHINGTON - James O’Keefe é um defensor de causas conservadoras que em grande parte coincidem com a agenda de Donald Trump. Entre elas está o ataque à grande mídia, feito com o uso de câmeras escondidas e “pegadinhas” que tentam levar jornalistas a emitir opiniões políticas ou comprometedoras.
Sua recente ofensiva para desacreditar o jornal Washington Post acabou tendo o efeito inverso, ao colocar seus métodos em xeque e mostrar o rigor do jornal em checar a falsa história apresentada por uma emissária do Projeto Veritas, a organização fundada por O’Keefe em 2010.

O’Keefe, do Projeto Veritas, diz que há dezenas de operações clandestinas no país para expor notícias falsas
O’Keefe, do Projeto Veritas, diz que há dezenas de operações clandestinas no país para expor notícias falsas Foto: Cláudia Trevisan/Estadão
Instalada em uma cidade a 44 km de Nova York, a entidade ocupa uma casa sem nenhuma identificação na fachada. Dentro dela, a única área em que a reportagem foi autorizada a entrar foi a sala de reuniões, separada do restante pela recepção. De acordo com um dos assistentes de O’Keefe, a medida é necessária para manter em sigilo a identidade dos funcionários, que criam narrativas e personagens falsos na tentativa de criar armadilhas para seus alvos.
Em entrevista ao Estado, O’Keefe disse que não pode revelar quantas pessoas trabalham no Projeto Veritas nem quantas operações clandestinas possui em todo os EUA. “São dezenas”, garante.
Aos 33 anos, ele se apresenta como um cruzado determinado a expor o que vê como cobertura tendenciosa e falta de isenção da grande imprensa, mas ele mesmo tem uma agenda clara, revelada na escolha de seus alvos: ambientalistas, defensores de controle de armas, imigração ou a National Public Radio, mantida com recursos públicos e privados. Jornalistas da conservadora Fox News nunca foram abordados pelos “agentes secretos” de O’Keefe.

Rússia

“Estamos apenas começando”, disse ele, quando questionado sobre a falta de interesse pela Fox News - o Projeto Veritas existe há sete anos. “Não expresso opinião política”, ressaltou, sobre a agenda conservadora. Mas, na entrevista, ele deixou claro que vê a investigação sobre a atuação da Rússia na eleição presidencial do ano passado como uma “caça às bruxas”, mesma expressão usada por Trump.
Grande parte da energia do Projeto Veritas é dedicada ao estabelecimento de contato com jornalistas, que são gravados de maneira clandestina em conversas informais, algumas das quais em bares, emitindo opiniões sobre política.
O’Keefe apresentou como uma vitória o vídeo que mostra um produtor da área de saúde da CNN, em Atlanta, manifestando ceticismo em relação à cobertura da emissora sobre a investigação da Rússia. 
“Sarah Huckabee Sanders mencionou nosso vídeo na Casa Branca”, ressaltou O’Keefe, fazendo referência à porta-voz de Trump, que ataca com frequência a CNN.

O Projeto Veritas realizou vídeos semelhantes com dois repórteres do Washington Post, um dos quais responsável pela cobertura do caso. Na conversa, gravada em um bar, o jornalista disse que ainda não encontrou nenhuma evidência de conspiração que envolva Trump diretamente. “Isso não quer dizer que ela não exista”, observou o repórter.

Livro

Os métodos usados pela entidade são descritos em um livro que O’Keefe lançará em janeiro: American Pravda: My Fight for Truth in the Era of Fake News (American Pravda: Minha Luta pela Verdade na Era de Notícias Falsas, em tradução livre). “Fake News” é outra expressão usada com frequência pelo presidente americano e seus seguidores para atacar a mídia tradicional.
Na outra ofensiva de O’Keefe contra o Washington Post, uma mulher chamada Jaime Phillips procurou o jornal com uma história falsa e incriminadora contra Roy Moore, o candidato republicano ao Senado pelo Alabama, que é considerado extremista até por integrantes do próprio partido. Na sexta-feira, ele disse a um eleitor negro que os EUA foram grandes pela última vez no período da escravidão.
Nas últimas semanas, sete mulheres vieram a público dizer que foram vítimas de assédio ou de abusos sexuais cometidos por Moore quando elas eram adolescentes e ele já havia passado dos 30 anos.
Em encontros com repórteres do Post ao longo de duas semanas, Jaime disse que ficou grávida de Moore e teria feito um aborto, sugerido por ele e realizado quando ela tinha 15 anos. Os jornalistas encontraram uma série de inconsistências no relato e acabaram descobrindo que a suposta vítima trabalhava para o Projeto Veritas.
A primeira pista nesse sentido foi um post publicado por Jaime, em 29 de maio, no site GoFundMe, no qual ela dizia que estava de mudança para Nova York. “Eu aceitei um trabalho no movimento da mídia conservadora para combater as mentiras e enganos da grande imprensa” escreveu.
O’Keefe disse que seu objetivo não era “plantar” uma história falsa no Washington Postnem desmoralizar as vítimas de Moore, cuja candidatura é apoiada pelo presidente. Segundo O’Keefe, a intenção era induzir os repórteres a emitirem opiniões políticas. No fim, a desconfiança levou os jornalistas a registrar todos os encontros com Jaime e revelar a verdadeira agenda conservadora da ativista.