domingo, 10 de dezembro de 2017

David Powels, presidente da Volkswagen do Brasil e América do Sul: ‘Na crise, nossa produtividade cresceu 30%’

Cleide Silva, O Estado de S.Paulo

Indústria automobilística
'Demoramos muito para renovar os produtos, diz David Powels, presidente da Volkswagen   Foto: Gabriela Biló/Estadão
Em quatro anos de crise econômica o mercado automobilístico brasileiro encolheu 45%, de 3,76 milhões de veículos em 2013 para 2,05 milhões no ano passado. A Volkswagen, que por 41 anos foi líder de vendas no País, teve retração de 66%, de 673,4 mil unidades para 228,4 mil, queda superior à da maioria das concorrentes. A marca alemã aproveitou o período de baixa para uma reestruturação que envolveu, entre várias ações, o corte de 4,4 mil vagas de trabalho – hoje emprega 16 mil pessoas –, modernização das suas quatro fábricas e melhoria de 30% na produtividade. “Hoje fazemos um carro completo em média em 23 horas, 24 horas”, diz o presidente da montadora no Brasil e América do Sul, David Powels, no cargo desde janeiro de 2015.
Em meio à recuperação que desponta neste ano, com previsão de mercado 7% superior ao de 2016, a Volkswagen lança em duas semanas o compacto premium Polo, o primeiro de cinco veículos com os quais promete renovar sua linha de produtos e dar lugar a uma “nova Volkswagen”. A seguir, trechos da entrevista.
O que muda na ‘nova Volkswagen?
Nos últimos dois anos trabalhamos em dez campos de ações que incluem a renovação total da nossa linha, começando com a chegada do Polo, e mais três ou quatro produtos a partir do próximo ano, dos quais o sedã Virtus, um SUV e uma picape. São produtos inovadores e com alta tecnologia, relevantes para nossos clientes do Brasil e da região.
A nova linha vai ajudar a Volkswagen, hoje terceira em vendas, a subir degraus na lista?
Perdemos participação porque demoramos a renovar nossos produtos. Nos últimos anos, a marca ficou distante dos clientes, dos concessionários. Mas só produtos novos não resolvem nosso problema. Nas ações que desenvolvemos estão uma nova relação com os concessionários, que nos últimos anos muitas vezes foi conflituosa. Também uma nova relação com os trabalhadores, que não se trata só de uma troca de mão de obra por dinheiro, mas possibilidade de ter uma carreira mundial, oferecendo treinamento e ambiente para trabalhar com motivação. Também fizemos melhorias nos processos internos, que agora são mais enxutos, mais rápidos e modernos. Ainda há muito trabalho a fazer, mas já fizemos bons progressos.
Quais progressos?
Aumentamos nossa produtividade em 30% nos últimos três anos, medida em horas gastas para produzir um carro. Isso em meio a uma crise, quando o volume de vendas total caía mais de 40%. Hoje fazemos um carro completo em 23, 24 horas, em média. Ao mesmo tempo, nos últimos 18 meses simplificamos nossa linha. Há dois anos tínhamos 12 mil combinações de modelos. Hoje são 1.100. No próximo ano, quando forem apresentados os modelos 2019, serão 300. Isso vai simplificar a vida do cliente, dos concessionários, dos fornecedores e a produção.
A empresa vai brigar para ser líder novamente?
Queremos ser dominantes. Ser líder todos os anos independentemente do que isso vai custar não é nossa estratégia. Em 65 anos de Brasil, a Volkswagen foi líder por 41 anos e teve o carro mais vendido por 51 anos (24 com Fusca e 27 com Gol). Queremos combinar essa história positiva com um futuro de tecnologia, de uma marca mais moderna, mais relevante, mais sofisticada, com atitude nova. Quando falarem em indústria automobilística, queremos que pensem em Volkswagen.
Como a marca, cujo nome em alemão significa ‘carro do povo’, vai se posicionar no mercado?
O objetivo é ter gama com produtos para todas as fases da vida da pessoa, não só para quem está comprando o primeiro carro. Vamos ter carros de entrada, compactos premium, modelos de luxo. Em dois ou três anos a imagem da marca vai ser completamente diferente, não vai ser mais uma imagem de carros de entrada.
Em janeiro a empresa trabalhava com 40% de sua capacidade. Como está hoje?
Com Polo e Virtus vamos voltar a produzir em três turnos na Anchieta (no ABC paulista). Mas ainda temos grande ociosidade. Trabalhamos com cerca de 52%, 53% de nossa capacidade instalada.
Como vai manter empregos nessas condições?
O mercado vai voltar a crescer, nossa participação vai crescer no Brasil, na Argentina e nos outros 27 países da região para onde exportamos. Esperamos crescimento médio de 8% a 9% nas vendas no Brasil nos próximos cinco anos. Temos também acordo de cinco anos com os trabalhadores que prevê flexibilizações, como redução de jornada. Não vamos fechar nenhuma planta. Infelizmente, desde 2015 reduzimos nosso quadro em 4,4 mil pessoas. Todas por PDV (programa de demissão voluntária). Se necessário, poderemos adotar novos PDVS, mas espero que não seja preciso.
Qual a meta para a produtividade?
Precisamos continuar melhorando e nos próximos quatro a cinco vamos ganhar mais 15% a 20% em produtividade. Todas as empresas estão aumentando produtividade também em outros países. E esse é um assunto relevante não só para nós, mas para o País. Se o Brasil inteiro não aumentar sua produtividade não terá futuro.
Como a matriz vê a situação econômica do Brasil?
O Brasil não tem problema econômico, mas político. Quando esse problema for resolvido, o setor econômico vai melhorar bastante. Temos um planejamento relativamente conservador, adaptando nossa capacidade com flexibilidade para evitar problemas e estamos investindo em produtos para assegurar nosso futuro. Se não tivéssemos confiança no mercado não iríamos investir R$ 7 bilhões em cinco anos. Nosso objetivo é reduzir prejuízos e nos preparar para o futuro. Perdemos muito dinheiro nos últimos três anos, e ainda estamos perdendo.
O sr. acredita que as reformas serão feitas?
Se não forem, o País não vai ter futuro, não vai ter condições de competir globalmente. Talvez demore um pouco mais que o planejado, mas as reformas precisam ser feitas. O Brasil já perdeu bastante competitividade nos últimos 10 anos e agora chega. Mas fazer reformas sem aumentar a produtividade em geral não vai assegurar o futuro do País. As duas coisas precisam ser feitas ao mesmo tempo, com participação do governo, das indústrias e da sociedade como um todo.
Isso ajudaria a atrair novos investimentos?
O mundo tem muito capital livre no momento. Se o governo continuar mostrando sinais de que fará as reformas, o capital global vai voltar.
A indústria se aproveita muito dos financiamentos do BNDES. Com a nova taxa de juros, a TJP, isso vai continuar?
Vai ser logicamente menos interessante, mas acho que as empresas vão considerar porque o BNDES é muito importante no desenvolvimento da economia. Mas os grandes grupos têm outras possibilidades. Se o BNDES não for competitivo, eles vão buscar outras fontes de capital.