sexta-feira, 8 de dezembro de 2017

"Nacional-populismo deixa legado de crise e corrupção", editorial de O Globo

O ciclo de governos de esquerda na América Latina dos últimos anos chega ao fim transformado em casos de polícia e ameaça às instituições democráticas


Cristina Kirchner foi indiciada na quinta-feira por traição e teve sua prisão pedida pela Justiça Federal da Argentina, sob a acusação de encobrir, em troca de um lucrativo acordo comercial, o suposto envolvimento do Irã no atentado a bomba contra um centro comunitário judaico em Buenos Aires, em 1994, que deixou 85 mortos. O juiz Claudio Bonadio pediu a suspensão da imunidade parlamentar da ex-presidente, obtida após sua eleição como senadora. Nas diligências realizadas na quinta-feira, três ex-assessores de Cristina foram detidos, inclusive Héctor Timerman, ex-ministro de Relações Exteriores, que foi colocado sob prisão domiciliar.

As acusações são o resultado da investigação iniciada por Alberto Nisman, procurador que, em 2015, acusou Cristina de encobrir a participação iraniana no atentado e em seguida foi encontrado morto no banheiro de seu apartamento com um tiro na cabeça. Uma investigação preliminar apontou a morte de Nisman como suicídio, mas um novo relatório policial obtido pela Associated Press em novembro menciona sinais de luta, como o nariz quebrado e vários golpes na cintura. Também foi encontrado em seu corpo resíduos de um forte anestésico. Antes de morrer, Nisman gravou autoridades do governo de Cristina mencionando um acerto entre Argentina e Irã.

Além do atentado contra o centro comunitário judaico, Cristina Kirchner também é acusada de comandar um esquema de corrupção e lavagem de dinheiro, envolvendo seus dois filhos e assessores. Todas essas acusações e suspeitas revelam um modus operandi comum a outros governos do campo da esquerda no atual ciclo de nacional-populismo de estilo bolivariano, que parece ter se esgotado.

No Brasil, a morte de Celso Daniel, prefeito de Santo André, que, em 2002, foi sequestrado, torturado e assassinado ainda não foi esclarecida de forma convincente, apesar de tida como um crime comum. A partir do segundo mandato de Lula, quando o lulopetismo ganhou impulso, ampliado depois por sua sucessora, Dilma Rousseff, emergiram os casos do mensalão e do petrolão, esquemas de desvio de verba, corrupção, lavagem de dinheiro, entre outros delitos.

No Equador, Fabrício Correa, irmão do ex-presidente Rafael Correa, está sendo processado por um consórcio americano, acusado de corrupção em meio a uma negociação de exploração petrolífera. Já o boliviano Evo Morales tenta mais uma reeleição, contra a vontade popular expressa num plebiscito.

O caso mais extremo certamente é o da Venezuela de Hugo Chávez e seu sucessor, Nicolás Maduro. O nacional-populismo imposto pelo chavismo destruiu o arcabouço institucional republicano do país, o tecido social, a economia e a política. A Venezuela é o exemplo nefasto desse tipo de política levada ao cume, que, além da vocação para a corrupção, deixa como herança a constante ameaça às instituições e o desafio ao estado de direito.