sábado, 20 de janeiro de 2018

"De volta à maioridade penal", pior Dráuzio Varella

Libero/Folhapress
Folha de São Paulo


Toda vez que escrevo sobre maioridade penal, xingam a coitada da minha mãe que morreu aos 32 anos, antes de participar da formação intelectual do filho.

Procuro não me deixar atingir pelas grosserias dos que se refugiam no anonimato da internet para destilar o ódio de sua mediocridade existencial. O que me incomoda é atribuírem a mim ideias que não tenho e frases que nunca pronunciei.

A respeito desse tema, a Folha publicou uma pesquisa com 2.765 participantes, em 192 municípios do país. São a favor de reduzir a maioridade de 18 para 16 anos 84% dos brasileiros.

No Norte, o apoio chega a 89%, índice que no Nordeste é de 81%. Entre aqueles com renda familiar de até dois salários mínimos 83% defendem a mudança, número que cai para 73% nas famílias com renda acima de dez salários.

Curiosamente, os religiosos são favoráveis a punições mais rigorosas: católicos (86%), evangélicos (84%), ateus (73%). A aprovação é mais baixa entre os seguidores de umbanda, candomblé e outras religiões afro-brasileiras (63%).

Dos entrevistados, 14% acham que também deveriam ir para a cadeia os infratores na faixa 13 a 15 anos. Outros 14% são ainda mais radicais: há que prender menores com 12 anos ou menos.

O que minha falecida mãe tem a ver com essa história?

É evidente que sou contra trancafiar em celas crianças com menos de 12 anos. Por outro lado, acho absurdo simplesmente "recolher à Fundação Casa" um rapaz de 17 anos que assassinou um trabalhador para roubar-lhe o celular. A menos que apresente transtorno psiquiátrico grave, qualquer adolescente sabe discernir o que é inaceitável no comportamento humano.

O argumento de que consideramos 16 anos a idade para obter o título de eleitor é forte.

Nunca discuti a idade mínima ideal para aplicarmos penas mais severas aos contraventores, cabe à sociedade defini-las. Não acho, entretanto, que decisões como essa devam ser tomadas por voto popular. Fosse assim, a pena de morte estaria reimplantada no país.

Medidas previstas no Código Penal devem ser aplicadas segundo critérios técnicos baseados em evidências e pareceres jurídicos emitidos por especialistas, jamais para atender interesses demagógico-eleitoreiros ou em resposta a emoções despertadas por um crime que chocou a opinião pública.

Nunca sugeri que estupradores e homicidas impiedosos com 16 ou 17 anos sejam tratados com benevolência pela Justiça; o que sempre defendi foi a necessidade de criarmos prisões especiais para eles.

Não por condescendência com o jovenzinho capaz de matar com crueldade, mas porque é estupidez insana misturá-lo com os mais velhos em cadeias superlotadas como as nossas, nas quais o Estado não consegue garantir a segurança dos apenados.

Você, leitor que já teve 16 anos, imagine chegar numa cela com mais de 20 homens amontoados, entre eles ladrões, traficantes e assassinos da pior espécie, metade dos quais dormindo no chão, a seu lado. Não ficaria com medo de ser humilhado, espancado ou violentado sexualmente?

Você seria abordado pelo piloto da cela, que acenaria com a possibilidade de batizá-lo como membro de uma das facções que dominam os presídios de Norte a Sul.

Com a sabedoria dos 16 anos, você analisaria as vantagens da filiação: a proteção do grupo, a cesta básica mensal e as passagens de ônibus que sua família receberia para visitá-lo nos fins de semana, em qualquer cadeia do Estado.

Na comunidade, ninguém ousaria mexer com sua mãe, irmãs e irmãos menores.
Em contrapartida, fidelidade eterna, sujeição total às ordens superiores e, ao ganhar a liberdade, a obrigação de pagar a mensalidade mínima exigida de todos os irmãos (R$ 600 no caso de São Paulo).

Encaremos a realidade: o aprisionamento é uma medida importante porque retira das ruas o marginal que nos inferniza, mas um dia ele voltará; pior, provavelmente.

Violência urbana é doença contagiosa de causas multifatoriais, que entre os mais pobres adquire características epidêmicas. Combatê-la apenas com prisões é tarefa inglória.

Nunca prendemos tanto: no início dos anos 1990, havia cerca de 90 mil brasileiros na cadeia, hoje são mais de 725 mil. Nossas cidades ficaram mais seguras?