sábado, 20 de janeiro de 2018

Julgamento de Lula: Brasis entre o Rio e Porto Alegre

Vitor Hugo Soares - Veja


Luiz Inácio Lula da Silva, ex presidente (MAURO PIMENTEL/AFP)
Toda vez que a situação aperta, para valer, o PT e seu fundador e guia maior, Luis Inácio Lula da Silva, juntam-se a um punhado de intelectuais e artistas (cada vez mais reduzido e menos expressivo), em busca dos caminhos que levam ao Rio de Janeiro. Desde que o samba é samba é assim: eles chegam, quase sempre, “com uma fome de anteontem”, maior que a demonstrada por Chico Buarque, nos versos de sua composição famosa dos Anos 70. E com a sede desesperadora de um beduíno, no deserto, sem nenhum oásis ou fonte salvadora – à vista no horizonte sem fim – exceto, talvez, se arranjar fôlego e conseguir suportar o tranco até chegar à Etiópia.
“Amaldiçoado seja aquele que pensar mal destas coisas”, diria algum irônico francês, desgarrado, solto ou perdido na despedaçada Cidade Maravilhosa da era corrupta e corruptora que Sérgio Cabral simboliza como poucos (inclusive nas regalias de marajá conseguidas por ele nas cadeias de Benfica e Bangu, até ser transferido para o Complexo Penitenciário de Pinhais, na periferia de Curitiba, quinta-feira. Ironicamente (ou não?) três dias depois do encontro pré – Porto Alegre, no Teatro Oi Casagrande (olha a Oi aí de novo, gente!), marcado por desvarios, sandices e impropérios disparados principalmente pelo homenageado, Lula, e pela presidente do PT, senadora Gleisi Hoffmann. Mais pareciam os bêbados das antológicas crônicas de Nelson Rodrigues, que, sentados na calçada, choram l&aacu te;grimas de esguicho, mas tentam não perder a pose de valentões sem medo de nada nem de ninguém. Nem da lei.
Não deu outra desta vez. Na noite de terça-feira, 16, a uma semana do julgamento em segunda instância, a que o maioral petista será submetido na capital gaúcha, na quarta-feira, 24 de janeiro, que estrategistas malandros tentam transformar em data maior do calendário jurídico, político e institucional do Brasil, nos dias temerários que correm. Na primeira instância o plano não deu certo: o réu foi condenado a 9 anos e seis meses de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro no caso do Triplex do Guarujá, em sentença implacável do juiz Sérgio Moro, condutor do processo da Lava Jato, para quem não goza de foro privilegiado. Os ex “intocáveis” todo poderosos Sérgio Cabral e Eduardo Cunha, para citar só dois exemplos.
Tribunal Regional Federal da 4 Região (Divulgação/Divulgação)
Neste novo encontro no Rio, Lula Gleisi e sua trupe clarificaram mais os perigosos e aventureiros caminhos que planejam trilhar com seus seguidores, até a decisão dos três magistrados do TRF 4 , semana que vem. Pelo andar maroto e enviesado da carruagem petista, visto no encontro do Rio, as provas, os argumentos dos procuradores, o conteúdo jurídico e moral do processo, enfim, parece ser o que menos importa. Relevante mesmo, pelo que se viu no show carioca, são os dividendos políticos e eleitorais que, se imagina, poderão resultar do confronto que se ensaia para este caso em ano de disputa da sucessão presidencial. Tudo, desde que o maioral seja absolvido, nada se o ex-ocupante do Palácio do Planalto tiver a sentença de condenação confirmada. Neste caso, “haverá mortes”, ameaça com a irresponsabilidade n a ponta da língua, Gleisi Hoffmann , atual chefe nacional dos petistas.
Aliás, sob esse ponto de vista, foi emblemática, também, a performance de um “mano”, na frente do teatro: “Corruptos todos são, mas Lula é o único que se preocupa com o social”, grita ele no vídeo gravado no pré-ato e distribuído depois através das redes sociais para o País e para o mundo. No encontro propriamente dito, Lula reservou a parte principal de seu discurso, para atacar o desembargador Eduardo Thompson Flores Lenz, presidente do tribunal que o julgará em segunda instância. “Esse cidadão é bisneto do general que invadiu Canudos e matou Antonio Conselheiro. Talvez ele ache que eu seja cidadão de Canudos”, disse o dono da festa, atropelando fatos, tempo, espaço, personagens e, principalmente a História, mas sob aplausos e aprovação do s intelectuais e artistas presentes.

Assim, no sarau do Rio – talvez por não ser dado a leituras, nem de jornal, como ele mesmo já confessou – mexeu ( incorreta e ofensivamente) com os brasis de encontro marcado, para a próxima semana, na capital dos gaúchos. Poderia, antes do desastrado discurso cheio de estultices e incorreções grosseiras, sobre fatos e personagens históricos do Nordeste e do Sul, ter passado a vista (ou ouvido algum assessor ou aliado mais amigo dos livros) em obras fundamentais sobre Canudos, Conselheiro, militares e a guerra no sertão da Bahia, no começo da República. “Os Sertões”, de Euclides da Cunha, e “A Guerra do Fim do Mundo”, de Mario Vargas Llosa, pelo menos. Ou “Os Dois Brasis”, obra basilar do francês Jacques Lambert, jurista, sociólogo e demógrafo. Um clássico com mais de meio século, desde a sua primeira edição, que fala, a partir dos acontecimentos de Canudos, de um país do futuro, que os fatos desta semana no Rio, “as vésperas do julgamento de Lula, revela estar cada vez mais distante. Ou não?