domingo, 21 de janeiro de 2018

"No mundo do Lula", por Ascânio Seleme

O Globo


O colunista foi assistir ao ato de militantes e artistas em favor do ex-presidente e contra a Justiça, o MP e a imprensa


Teatro Casa Grande ficou lotado de manifestantes no ato pró-Lula de terça-feira. Compareceram Beth Carvalho, Osmar Prado, Bemvindo Sequeira, Aderbal Freire-Filho, Gregório Duvivier, Bete Mendes. Faltaram Chico Buarque, Wagner Tiso, Marieta Severo, Wagner Moura, Letícia Sabatella.

Um amigo de Lula esperava mais. “Se pelo menos Chico tivesse aparecido. E ele está no Rio, tem show neste fim de semana”, lamentou. Para guarnecer o ex-presidente, a turma do cercadinho VIP foi convocada às pressas para ocupar as cadeiras vazias arrumadas no fundo do palco.

Franklin Martins e Gilberto Carvalho, ex-ministros de Lula, acabaram esquecidos e permaneceram na plateia. Gilberto passou três horas em pé. No final da noite, alguém percebeu, cochichou e um dos organizadores citou a presença dos dois.

Bete Mendes gritou, num corredor do teatro: “Eleição sem Lula é fraude! Eleição sem Lula é golpe!”. Era para um blogueiro que gravava depoimentos. Dois minutos depois ela voltou e pediu para repetir. “Estava muito empolgada, exagerei”. E gravou de novo, alguns tons mais baixo.

Emir Sader, o sociólogo, passou por outro velho companheiro do PT, ambos usando camisas vermelhas, e disse: “Estou aqui fazendo o que posso e o que não posso para salvar a democracia”. E o veterano marxista acrescentou: “Sigo lutando até Jesus me chamar”.

Bemvindo Sequeira fez o primeiro discurso da noite: “A República de Curitiba é resquício do fascismo de Blumenau de 1937”. Como? Fui checar. O comediante aparentemente se referia a um congresso integralista que ocorreu na cidade naquele ano. Mas o Manifesto Integralista foi lançado em São Paulo pelo paulista Plínio Salgado. Enfim, estereótipo.

Um advogado do time de Cristiano Zanin disse que um dos delatores de Lula não tinha credibilidade, não fizera acordo de delação e deveria ser ignorado. Referia-se a Léo Pinheiro, dono da empreiteira que construiu o prédio, equipou a cozinha, instalou um elevador interno e acompanhou Lula e dona Marisa numa visita guiada ao tríplex.

Aderbal Freire-Filho foi o único que leu o seu discurso. Estava ansioso e citou Noam Chomsky seis vezes. Disse que o Brasil precisava de Lula porque o país já não aguenta mais ser um “Estado babá”. Para se explicar a um público que poderia estranhar a ideia, falou de hipotéticos socorros a bancos, e nada mais.

Osmar Prado estava emocionado e chorou quando mencionou uma visita que fez com a filha a Cuba, citando Che Guevara. A escritora Marcia Tiburi disse que estava ali para se manifestar “contra essa gente cafona de direita” que quer tirar Lula da eleição presidencial.

Gregório Duvivier não sabe se vai votar em Lula. Acho que não vai. Ele avisou ao ex-presidente que “dependerá das suas alianças”. Melhor Gregório já ir pensando num plano B. Sei lá, Ciro Gomes, Marina Silva. Se, antes mesmo de saber se poderá ser candidato, Lula já está andando de mãos dadas com Renan Calheiros e Eunício Oliveira, imagine se conseguir superar Porto Alegre.

Celso Amorim foi o penúltimo a discursar, depois de Gleisi Hoffmann, a presidente do PT. Se alguém estranhou a ordem, um coro da plateia logo deixou tudo claro: “Eô, eô, Amorim governador”. Até Lindbergh Farias bateu palmas e cantou o refrão, constrangido, mas com um sorrisão enorme no rosto.

Orador principal da noite, Lula fez o de sempre: atacou a Justiça, o Ministério Público, a imprensa. Ele criticou tanto a imprensa que alguém poderia até pensar que somos nós, jornalistas, que roubamos bilhões da Petrobras e estamos presos ou usando tornozeleiras, e não os seus companheiros de PT e de partidos amigos.

Lula fez os exageros habituais, cometeu os equívocos rotineiros, mas empolgou a militância que acredita cegamente em tudo o que ele diz. Para explicar por que é mais honesto do que todos os que considera seus desafetos juntos, disse que não roubava chicletes quando era menino, e que, portanto, não iria roubar dinheiro depois de velho.

Barack Obama, que não tem nada com isso, foi citado por Lula numa de suas bravatas mais originais. Sem fazer qualquer referência à compra de votos, lembrou que ganhou do ex-presidente dos EUA a disputa pelos Jogos Olímpicos, mas que este foi recompensado. “O Obama logo em seguida ganhou o Prêmio Nobel da Paz. Depois me disseram que foi uma compensação pela perda das Olimpíadas para nós”, falou sério Lula. E a plateia delirou.

SEGURO CONTRA ASSÉDIO
Cresce a procura por seguro contra assédio sexual no Brasil. Empresas querem se preservar contratando a proteção para seus executivos. As seguradoras, que já oferecem seguro para assédios de natureza trabalhista, precisam agora definir apólices discriminando o assédio sexual. Nos EUA, esse mercado movimentou US$ 2,2 bi no ano passado. No Brasil, apenas 300 empresas têm cobertura para assédio no trabalho. Nestes novos tempos, seguro morreu de velho.

ALCKMIN PROCURA O LIVRES
Geraldo Alckmin, que ontem esteve no Rio, procurou Elena Landau para “entender melhor” o partido Livres. Elena levou Alckmin para conversar com Paulo Gontijo, presidente interino do partido. Depois do PPS, agora é o PSDB que se aproxima do Livres.

MASSA DE PÃO
Um estudo feito pelo jornalista e cientista político Fábio Vasconcellos mostra que as intenções de voto em Lula cresceram 19 pontos percentuais desde que ele foi levado coercitivamente para depor, em março de 2016. Bolsonaro, que encarnou a antítese de Lula nesse período, também cresceu, subindo de 6% para 18%. Marina despencou 13 pontos, e Alckmin perdeu quatro. A análise foi sobre pesquisas do Datafolha, e pode ser lida em fabiovasconcellos10.wordpress.com.

EFEITO CABRAL
O restaurante Eça, um dos mais sofisticados do Centro do Rio, fechou as portas em outubro do ano passado. O Uniko, outro bom restaurante na cidade, perdeu cerca de 40% da clientela nos últimos 12 meses. A penúria se deve ao sumiço da turma do ex-governador Sérgio Cabral. No Leblon, o Antiquarius nunca mais lotou e não é mais necessário reservar mesa. Mas ainda serve quentinhas para seus bons clientes. Pena, o serviço de nada adianta para Cabral, que desde quinta-feira mora em Curitiba. Mas pode atender dona Adriana Ancelmo.

SIMPLIFICAÇÃO TRIBUTÁRIA
O presidente Temer não vai fazer uma reforma tributária. “O que pretendo encaminhar ao Congresso é uma simplificação da legislação”, diz. Até para poder aprovar alguma coisa. O presidente quer usar seus últimos 12 meses de governo para restaurar sua imagem, em farrapos desde o episódio com Joesley Batista.

CARIOCA DA GEMA
Os pilotos dos aviões da FAB que transportam autoridades comentam o despojamento do presidente da Câmara. Rodrigo Maia viaja de bermuda e sandálias e quase sempre com a mesma camiseta, que os pilotos já apelidaram de “cinzinha”.

NOVO CARTEL
A Polícia Federal recebeu informações do FBI de que um novo cartel mexicano está operando na fronteira do Brasil e pode já estar atuando dentro do país. O Cartel de Jalisco foi identificado na Bolívia e está se expandindo para o território nacional. A estratégia deste grupo, que está associado ao PCC, é criar uma fachada legal através de investimentos em times de futebol.

EFEITO IMPOSTO SINDICAL
A Federação Nacional de Jornalistas (Fenaj) já demitiu dois funcionários, de um quadro de seis, e pode demitir outros, em razão do fim da cobrança do imposto sindical. Cerca de 60% do orçamento anual da Fenaj, que é de R$ 1 milhão, vinham do imposto. Outros sindicatos e federações já estão ajustando seus gastos em razão da mudança da legislação.