sábado, 20 de janeiro de 2018

"Para que nunca mais haja Holocausto"

Teresa Bergher, O Globo


Há 73 anos, no dia 27 de janeiro de 1945, tropas da União Soviética, em sua avassaladora ofensiva em direção a Berlim, o centro do poder nazista, invadiram e libertaram o complexo de 48 campos de concentração de Auschwitz, na Polônia, revelando ao mundo cenas de horror que, ainda hoje, desafiam sensibilidades e mostram do que é capaz o ódio quando transformado em política de Estado. Foram necessários, porém, 60 anos de exibição das atrocidades ali praticadas para que a Assembleia Geral das Nações Unidas, em 2005, aprovasse resolução declarando aquela data o Dia Internacional da Lembrança do Holocausto.

Infelizmente, a natureza humana, até num gesto involuntário de autoproteção, tende a eliminar gradualmente da memória as situações desagradáveis. O mundo inteiro se chocou quando, diante do Tribunal de Nuremberg, que julgava os chefões nazistas, o primeiro comandante alemão de Auschwitz, Rudolf Hoess, declarou que só ali, nas câmaras de gás e por maus tratos, haviam morrido três milhões de pessoas. Somados, os “campos da morte” do nazismo, espalhados por nações ocupadas e na própria Alemanha, perseguiram e assassinaram cruelmente seis milhões de judeus, entre eles, 1,5 milhão de crianças e outras minorias como ciganos, homossexuais, deficientes físicos, negros e Testemunhas de Jeová. Mas, gradualmente, a lembrança dessa gigantesca tragédia, mesmo constantemente reprisada por dezenas de livros e documentários de cinema e televisão, vai-se esmaecendo, apesar da decisão da ONU, que visava exatamente ao não esquecimento, para que a menção constante aos horrores mantivesse presente a necessidade de evitar a sua repetição.

Não se sabe se o escritor colombiano Gabriel García Márquez pensava nisso quando cunhou a linda frase “É fácil esquecer para quem tem memória; difícil esquecer para quem tem coração”. Auschwitz e outras horrendas lembranças do Holocausto podem, eventualmente, escapar das memórias. Porém, jamais deixarão os corações, não apenas de quem viveu a tragédia através da perda de famílias e amigos, mas, especialmente, de quem se atribui a responsabilidade de manter viva, geração após geração, as imagens da perversidade humana levada aos seus extremos. Dois anos após a guerra, a Polônia, uma das maiores vítimas das atrocidades, criou, ali mesmo, o Museu do Holocausto. Desde então, mais de 30 milhões de visitantes já passaram pelos portões de ferro da entrada, encimados pela infame frase “O trabalho liberta”.

Mas, acredito, é muito pouco, e, insisto nisso, a única forma de evitar a repetição de tais tragédias coletivas é recordá-las incessantemente, mês após mês, ano após ano. Além do mais, porque, volta e meia, ressurgem, no horizonte, sinais do restabelecimento de ódios raciais, extremismos de comportamento e ideologias sectárias, que formaram o caldo de cultura do qual o nazismo se alimentou e cresceu até deflagrar a guerra em grande escala e seu cortejo de horrores. Na Áustria, a extrema-direita xenófoba já chegou ao poder e exige intensa vigilância das organizações dedicadas à proteção dos direitos humanos. 

Mesmo na rica e poderosa Alemanha, que se supunha exorcizada do demônio do racismo, ressurgem, vigorosas, organizações de pensamento similar ao da era hitlerista que, igualmente, requerem vigilância das forças democráticas e moderadas.

A lembrança de tanta dor e sofrimento, além dos corações e das mentes, precisa ser, também, incorporada materialmente ao dia a dia de cada um de nós. Esse é o sonho que me anima quando, junto com a prefeitura do Rio e outros setores da sociedade, nos empenhamos na construção de um monumento às vítimas do Holocausto, no Morro do Pasmado, dedicado à preservação da memória daquele período de trevas. São Paulo e Curitiba já têm o seu, e o Rio não ficará, também, sem render tributo a tantos milhões de pessoas que perderam as vidas cruelmente e que não podem ser esquecidas. Não descansarei enquanto esse sonho, idealizado há 20 anos pelo deputado Gerson Bergher, não se concretizar.

Teresa Bergher é vereadora (PSDB) no Rio e presidente da Comissão de Direitos Humanos da Câmara