quinta-feira, 15 de março de 2018

"A sociedade do pânico", por Nelson Paes Leme

O Globo


O filósofo Guy Debord escreveu um livro, de indispensável leitura pelos estudiosos das Ciências Sociais, que tem por título “A sociedade do espetáculo”. Virou um clássico nos estudos dos comportamentos mentais das massas, o papel dos mass media nesses movimentos, e até onde somos todos por eles influenciados em nosso dia a dia individual. 

Se combinado com a obra revolucionária de Marshall McLuhan e sua premonição da internet, 30 anos antes de ser inventada, preconizando a nossa aldeia global atual, temos um sólido diagnóstico dos tempos que vivemos.


Assim como a constatação da existência de um inconsciente coletivo primevo, por Carl Gustav Jung, ou da consciência social coletiva, por Émile Durkheim, nos séculos passado e retrasado, fica evidente na obra de Debord a ácida crítica ao “efeito manada” da sociedade e os limites da capacidade individual de discernimento — tão bem detectados por George Orwell, entre a autocensura e a vulnerabilidade de um “grande irmão” invisível nos transformar, inconscientemente, em seres quase irracionais coletivos e robotizados.

É, portanto, insubstituível a responsabilidade dos meios de comunicação e dos governos em todos os seus níveis, na divulgação de dados e na adoção de políticas públicas emergenciais no tempo certo, com a devida proporção e com estribo naquilo que Fernando Pessoa chamava de “realidade plausível”.

A leviandade da destruição internacional da imagem do Rio de Janeiro — tão duramente atingida com o noticiário não menos irresponsável e suicida de violência descontrolada — é totalmente desmentida por um trabalho sério do Ipea, dirigido por Daniel Cerqueira, o “Atlas da Violência”, em colaboração com o IBGE e o Ministério da Saúde. O “Atlas” traz à luz, em 2017, escancaradamente, a verdadeira realidade: a Cidade Maravilhosa sequer se encontra entre as 30 cidades com mais de cem mil habitantes mais violentas do Brasil. Ao contrário, só perde para São Paulo em termos de redução da criminalidade. Reduziu em 31,6%, enquanto São Paulo reduziu em 38,8% esses óbitos de 2005 a 2015, o decênio coberto pelo estudo.

Daí, certamente, o nítido constrangimento do comandante do Leste, general Walter Braga Netto, produzindo uma frase lacônica mas que resume este artigo: “Muita mídia...”. Ele, melhor do que ninguém, sabe qual é o nobre papel reservado às Forças Armadas na Constituição Federal, que é proteger a nossa soberania, as nossas fronteiras e a ordem pública constitucional. Um melhor aparelhamento das Forças Armadas, com maiores recursos e incentivo à carreira militar, é que são a prioridade de um país que já está entre as sete maiores economias do mundo.

A grande prestidigitação com o baralho da roubalheira que esses gângsteres da velha política conseguem fazer é dar voz ao pânico de uma sociedade acuada e pessimamente atendida, onde a presença do Estado realmente se faz indispensável: a saúde e a segurança públicas. Como conseguiram literalmente falir a Federação brasileira, escondem-se atrás dessas cortinas de fumaça midiáticas, pensando que os juízes concursados, os jovens procuradores, policiais federais e os jornalistas são idiotas. Pior: imaginam que o eleitor de outubro de 2018 é anencéfalo. Pois terão a resposta nas urnas. A mídia deveria dar mais espaço às novas lideranças civis emergentes.

Nelson Paes Leme é cientista político