sexta-feira, 16 de março de 2018

"Onde os fracos não têm vez", por José Paulo Kupfer

O Globo


Nem com uma bola de cristal bem calibrada é possível delimitar os desdobramentos e as consequências para a economia global e, em particular, para a brasileira, das sobretaxas impostas às importações americanas de aço e alumínio. Mas é óbvio que países com posição frágil no comércio internacional serão os mais vulneráveis à potencial intensificação de guerras comerciais em reação ao ato protecionista decretado sem aviso prévio pelo presidente Donald Trump.

Não é preciso lembrar que o Brasil é um candidato natural a fazer parte do primeiro time dos mais afetados. Como uma das economias mais fechadas do mundo, já não aproveitamos quase nada das vantagens econômicas possibilitadas por trocas mais intensas no comércio exterior. Agora, as condições para reverter essa situação podem se tornar mais adversas. O alerta amarelo da escalada protecionista — que se transformará em vermelho se as disputas comerciais se generalizarem — promete deflagrar uma guerra competitiva em que os mais fracos não terão vez.

Não se trata, especificamente, do que possa acontecer com as exportações de produtos siderúrgicos do Brasil para os Estados Unidos. Quanto a isso, os impactos mais negativos, se bem que não desprezíveis, estão longe de serem devastadores para a balança comercial brasileira. Mesmo o país ocupando a segunda posição entre os exportadores de aço para o mercado americano e sabendo que os Estados Unidos, no momento, absorvem 30% das exportações siderúrgicas brasileiras. É que, no geral, em 15 anos, as vendas do Brasil para os Estados Unidos caíram pela metade, de 25% do total para 12%.

Essa queda expõe um sintoma das fragilidades competitivas brasileiras, que vêm se acentuando ao longo dos anos, tanto pela paralisia local quanto pelo avanço das economias concorrentes. País continental, populoso, com mercado interno avantajado, o Brasil reúne a maioria dos critérios que definem economias com tendências comerciais isolacionistas. A isso se acresce a posição geográfica, distante das principais rotas atuais de circulação de mercadorias.

O isolamento brasileiro dos fluxos de comércio global, ainda assim, é um ponto negativo fora da curva. Entre 50 países emergentes, no período 2012-2015, o Brasil, com uma corrente de comércio (exportações mais importações) equivalente a 25% do PIB, só não foi o campeão entre os mais fechados porque o Sudão, com fluxo comercial de 20% do PIB, ficou com o indesejado troféu. Esses números fazem parte de um interessante documento publicado há duas semanas pela Secretaria de Assuntos Estratégicos (SAE), com diagnósticos da lamentável situação do comércio exterior brasileiro e propostas para uma abertura comercial que não desconsidere os impactos previsíveis no mercado de trabalho e no emprego (http://bit.ly/2FYLxBo).

Embora o nível das barreiras tarifárias aplicadas às importações brasileiras tenha sofrido um corte drástico entre 1990 e 1995, mantendo-se relativamente estável desde então, o grau de proteção ainda é mais elevado do que o praticado no resto do mundo. Com a redução efetuada de 31% para 9%, no caso dos produtos primários, a tarifa média brasileira aproximou-se da média mundial de 8%. Mas, quanto às importações de manufaturados, a redução tarifária de 37% para 12% ainda manteve a tarifa brasileira quatro vezes mais alta do que a média dos demais países.

Não há dúvida dos efeitos positivos, pelo menos a prazo mais longo, de um processo planejado e integrado de abertura comercial na produtividade e na competitividade da economia. Mas a execução de um programa de integração econômica às cadeias globais de produção, não só necessária como urgente, nunca é tecnicamente simples, sem falar nas dificuldades políticas, tantos os interesses envolvidos.

O fato de que o espaço a percorrer na direção da abertura seja tão grande torna a tarefa, paradoxalmente, até um pouco menos complicada. O problema é que, se for confirmada a volta do protecionismo comercial ao centro do palco da economia global, as condições para o movimento se mostrarão menos favoráveis. Sem falar na desarrumação, inclusive financeira, que turbulências macroeconômicas na economia americana espalhariam pelo mundo.

José Paulo Kupfer é jornalista