segunda-feira, 23 de abril de 2018

"Agenda fiscal para o próximo governo", por Claudio Adilson Gonçalez

Claudio Adilson Gonçalez, O Estado de S.Paulo

Não é novidade que o governo gasta muito e gasta mal. Além disso, dentre as economias acompanhadas pela Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico (OCDE), o Brasil é o campeão em transferências de renda dos mais pobres para os mais ricos, apesar dos inúmeros e caros programas sociais existentes. 
O ajuste fiscal, algo entre 3% e 5% do PIB, dependendo do cenário macroeconômico que se adote, exigirá medidas para elevar a arrecadação. A primeira é a recriação da CPMF com alíquota decrescente no tempo, iniciando-se, em 2020, com 0,35%, partilhável com os demais entes federativos. A CPMF é simples de arrecadar, não é tão regressiva como outros tributos indiretos, mas não é um bom imposto sobre a ótica da eficiência alocativa. Por isso, a emenda constitucional deverá estabelecer a queda anual da alíquota, até atingir zero, em 2027, quando outras reformas aqui previstas deverão estar totalmente implantadas e gerando contração de gastos. Estimo que, no primeiro ano, esse tributo arrecade 1,2% do PIB, algo como R$ 85 bilhões, a preços de hoje.
A segunda medida deve ser a revisão da tributação pelo lucro presumido para evitar a “pejotização” de pessoas físicas, em geral de altos rendimentos. Isso ajudaria a ganhar arrecadação e a tornar o sistema tributário menos regressivo. A terceira medida envolve a revisão, com racionalização ou extinção de várias “bondades” conhecidas por Gastos Tributários, que deverão atingir R$ 283,4 bilhões, em 2018, cerca de 4% do PIB. Tais programas jamais passaram por uma avaliação séria de seus custos e benefícios e são altamente regressivos, dado que a quase totalidade dos beneficiários pertence às camadas de maior nível de renda. Simples nacional (racionalização, não extinção), entidades imunes ou isentas, desoneração da folha de salários e várias deduções do Imposto de Renda (pessoas físicas e jurídicas) são exemplos de revisões que podem gerar economia fiscal para o governo da ordem de R$ 40 bilhões anuais.
Do lado das despesas, destaca-se, evidentemente, a reforma previdenciária. Essa reforma é uma imposição da rápida mudança demográfica que está ocorrendo e se intensificará no País. Além disso, é socialmente justa, pois reduziria principalmente os subsídios concedidos a trabalhadores que recebem acima de três salários mínimos, cerca de 18% dos beneficiários.
Há também que rever as normas de remuneração dos servidores públicos. Segundo detalhado estudo do Banco Mundial, os salários dos servidores públicos federais são, em média, 67% superiores aos do setor privado, mesmo após levar em consideração o nível de educação e outras características dos trabalhadores como idade e experiência.
Várias outras ações para a redução do montante e aumento da eficiência do gasto público devem ser adotadas. Citarei apenas algumas, sem maiores detalhes: melhoria dos métodos de aquisição de bens e serviços pelo setor público, revisão e consolidação de vários programas de proteção social e ao desempregado que gerariam economias, sem prejuízo para os realmente necessitados, alteração das normas de gastos públicos na educação, reduzindo-se, por exemplo, as despesas federais alocadas ao ensino superior, cuja gratuidade teria de ser repensada, bem como a flexibilização da vinculação de 25% das receitas municipais em educação, comprovadamente um dos maiores causadores de ineficiência e desperdícios de recursos. Educação deve ser a prioridade, mas o problema no Brasil não parece ser falta de recursos, mas sim gestão e qualidade. Claro, concessões e privatizações na área de transportes e energia não podem ficar fora dessa agenda.
Por fim, é necessário a instituição de um sistema regular e permanente de monitoramento e avaliação dos custos e benefícios dos gastos públicos. 
* ECONOMISTA E DIRETOR-PRESIDENTE DA MCM CONSULTORES. FOI CONSULTOR DO BANCO MUNDIAL, SUBSECRETÁRIO DO TESOURO NACIONAL E CHEFE DA ASSESSORIA ECONÔMICA DO MINISTÉRIO DA FAZENDA