segunda-feira, 23 de abril de 2018

'Ao olhar para Cuba hoje, todo mundo quer ver democracia onde não há', diz refugiada

María Ileana Faguaga Iglesias, historiadora cubana refugiada no Brasil, é retratada na pensão onde mora, em São Paulo
María Ileana Faguaga Iglesias, historiadora cubana refugiada no Brasil, 
é retratada na pensão onde mora, em São Paulo - Bruno Santos/Folhapress

Isabel Fleck, Folha de São Paulo
HAVANA
RESUMO A historiadora e jornalista cubana María Ileana Faguaga Iglesias, 54, chegou ao Brasil em 2013 para um seminário e nunca mais voltou. Há um mês, a professora universitária que disse ter sido perseguida em seu país recebeu o status de refugiada para permanecer em São Paulo.

Meu pai foi da geração que fez a revolução, esteve na Sierra Maestra, foi combatente na clandestinidade, militar toda a vida. Mas ele era um elemento crítico dentro da revolução, até porque para ele isso era ser revolucionário.

Nas críticas, ele poupava sempre Fidel Castro, mas era crítico com a corrupção. Ele nunca se corrompeu, e, por isso, pagou caro. Foi essa a educação que eu recebi.

Ele não subiu no regime e foi forçado a se aposentar muito novo, com 49 anos. Seu salário foi reduzido a um terço. Então eu sempre tive uma voz crítica, pois cresci percebendo isso como normal, como fazer a revolução.
 
Só que, claro, você vai percebendo como vai sendo posta cada vez mais no canto. Isso começou a ser muito visível na faculdade de história, onde tive problemas como uma voz contestadora. Quando terminei a faculdade, nunca tive serviço no governo, em uma época em que absolutamente tudo era estatizado e você não tinha outra possibilidade.

Até para os meios jornalísticos internacionais para os quais trabalhei --a [italiana] Ansa, a [francesa] AFP, a Rádio Monitor, do México, a Rádio Única, rádio hispânica dos EUA -- eu nunca consegui ser cadastrada pelo governo.
 
Trabalhei com jornalismo desde a faculdade até deixar Cuba. Em 2005, comecei a lecionar história na Universidade de Havana e sempre me dediquei às relações inter-raciais, sexo e saúde, gênero. 

Fui diretamente assediada pela polícia política a ponto de estragar meu casamento, de ter que sair da minha casa. 

Meu ex-marido ficou com muito medo quando a polícia fechou o cerco sobre mim. Ele teve a consciência, antes de mim, de que qualquer coisa poderia me acontecer. Em Cuba, tem mortes muito esquisitas. Até de cubanos críticos do governo no exterior. 

Então ele começou a tentar me frear, e eu achei absurdas as colocações dele. Estávamos juntos havia mais de 20 anos. 

Fui então morar com minha mãe, que vive num prédio antigo de três andares, sem elevador. A polícia política se aproximou um dia para me dizer que eu não seria morta, mas que eles iam me deixar paraplégica para ver se meus amigos, negros, com quem eu estava colaborando contra o racismo em Cuba, iam me carregar até em cima.

Às vezes minha mãe falava: você não vai sair hoje, tem um pessoal muito esquisito na porta. Às vezes eu saia e alguém me seguia, sempre um homem, com roupa normal, com telefone celular, dizendo: 'sim, é ela, sim, está com essa roupa, eu vou com ela'.

Muitas vezes, quando ia a palestras, a polícia política não me deixava entrar. Sempre me chamavam de 'doutora' e falavam que eu tinha que voltar para casa. 

Percebi que tinha que sair de Cuba quando voltei de uma viagem aos EUA, em 2012, porque as coisas foram piorando.

Meu ex-marido e minha mãe consideravam que eu não devia estar em Cuba. Eles tinham medo de que alguma coisa acontecesse comigo: eu ser levada à prisão e não sobreviver, ou me forçarem a me suicidar, ou ser morta na rua.

Eu cheguei ao Brasil com um visto de turista por um mês que podia ser prorrogado por mais cinco. Pensei: vou ficar esses seis meses para me recuperar psicologicamente, tentar estudar e trabalhar, para tentar ajudar a família. 

Na Polícia Federal me disseram que não iam prorrogar meu visto sem dar explicação. Então eu entrei com um pedido de refúgio, porque eu tinha um motivo político forte para estar fora do meu país.

Estou hoje como professora de espanhol, mas se recebe muito pouco, não se consegue viver com isso. Às vezes faço tradução. Agora comecei a trabalhar neste escritório, no departamento de vendas de uma empresa que comercializa temperos e especiarias. 

Só voltaria para Cuba se pudesse realmente ter participação social, se conseguisse ter uma estrutura de sobrevivência para mim e para minha família. E isso hoje não vai acontecer.
Miguel Díaz-Canel é um homem que não se desvia nem um milímetro da atitude ideológica de Raúl Castro. Até a linguagem dele é de Guerra Fria.

O que vai mudar com ele? Tenho 54 anos, ele é mais velho [58], e ainda o vendem como jovem, novo revolucionário. Todo mundo quer ver democracia onde não há, pois assim teríamos, internacionalmente, um problema a menos.