domingo, 22 de abril de 2018

Com críticas a Díaz-Canel, Damas de Branco têm várias detidas em Cuba. Terror comunista continua na Ilha


Foto do líder cubano Raúl Castro com o recém-nomeado novo presidente
de Cuba, Miguel Díaz-Canel - ISMAEL FRANCISCO / AFP


Sérgio Matsuura e Breno Salvador, O Globo, com agências internacionais



RIO e HAVANA - A saída dos irmãos Castro da liderança de Cuba pode ser considerada um fato histórico, mas, para o povo, nada mudou. É o que garantiu Berta Soler, líder do movimento Damas de Branco, uma das principais forças dissidentes em um país onde a oposição não é permitida. Ao GLOBO, antes de ser novamente detida em protesto junto a pelo menos outras oito ativistas, ela afirmou que a transição que levou Miguel Díaz-Canel à Presidência é apenas de fachada.

Com suas companheiras, Berta luta não apenas pela libertação dos mais de 80 presos políticos, mas pela mudança do “regime totalitário” na ilha.

— Todos os domingos nós vamos às ruas lutar pela liberdade dos presos políticos, mas também contra o sistema. Hoje, é o primeiro domingo com Miguel Díaz-Canel como presidente, então vamos sair, os que não tiverem uma patrulha policial na porta de casa, para protestar — anunciou Berta em entrevista por telefone ao GLOBO, antes da manifestação. — Aqui temos um sistema totalitário que trabalha em seu benefício para se manter no poder e não tem interesse em resolver outros problemas.


Berta Soler (com cartaz) é detida durante protesto em Havana - Reprodução/MartiNoticias

Mas após a nova manifestação do grupo, na tarde de domingo, o marido de Berta, Ángel Moya, relatou por telefone ao GLOBO a detenção de ao menos nove ativistas em Havana — entre elas, sua mulher. Boa parte delas está ainda incomunicável, segundo o ativista, que usou o termo "desaparecidas".

— As Damas de Branco saíram de diferentes lugares para reclamar pacificamente a liberdade dos presos políticos. Foram detidas quando já estavam na rua — relatou por telefone Ángel, também um ativista reconhecido internacionalmente como alvo de repressões pelo governo. — Ainda não temos informações sobre a situação das que saíram de outros lugares.

Apesar de Raúl Castro ter deixado formalmente a Presidência do país, Berta acredita que será ele quem ditará os rumos da ilha. A ativista de 54 anos reclama ainda do sistema, que trocou de presidente sem consulta direta ao povo. Em Cuba, os eleitores votaram em março deste ano para ratificar uma lista de 605 deputados para a Assembleia Nacional, que, por sua vez, aclamou Díaz-Canel.

— Nós não reconhecemos Díaz-Canel porque não foi eleito pelo povo. Não é um presidente legítimo — criticou antes da manifestação Berta, que já deu depoimentos a autoridades dos EUA, como o Senado. — Raúl Castro é o primeiro-secretário do Partido Comunista de Cuba, o principal e único gestor do país, então Raúl vai continuar dizendo a Díaz-Canel o que deve ser feito. Então, por aqui nada mudou, nada mudará.


Em imagem de 2012, Damas de Branco protestam em homenagem
 aos seus familiares presos por motivos políticos em Cuba 
- JOE RAEDLE / AFP


APELOS POR DEMOCRACIA E LIBERDADE A PRESOS POLÍTICOS

O movimento Damas de Branco foi formado em março de 2003, iniciado por mulheres e familiares de 75 presos políticos cubanos condenados a até 28 anos de prisão sob acusação de "atentarem contra o Estado" e "minar os princípios da Revolução". O episódio ficou conhecido como Primavera Negra, quanto o então regime Fidel Castro ordenou uma série de prisões contra dissidentes — entre eles médicos e jornalistas. Eles foram condenados com base na Lei n° 88 de Proteção à Independência Nacional e à economia de Cuba, sem evidências de que estivessem fazendo ações ditas contrarrevolucionárias.

A cada domingo, as Damas marcham em silêncio, vestidas de branco, rumo à missa, em diversas cidades de Cuba (em Havana, vão à Igreja de Santa Rita de Cássia, no bairro residencial de Miramar). A manifestação semanal pede a liberdade dos presos políticos, o fim da ditadura e a transição para a democracia na ilha.

Detenções e multas a dezenas de suas ativistas se tornaram habituais e recorrentes durante os eventos. Em novembro de 2017, várias líderes das Damas de Branco foram presas por protestarem no dia de eleições municipais em Cuba. Dentre as mulheres detidas, estava Berta, que foi novamente detida provisoriamente no último domingo (15).

Vencedoras do Prêmio Sakharov de 2005, dado pela União Europeia a célebres ativistas pela liberdade, em 2010, o grupo foi exaltado em manifestações críticas da repressão em Cuba em várias cidades do mundo. O grupo recebeu apoio na semana passada do vice-presidente americano, Mike Pence ("Estas mulheres arriscam tudo para defender a liberdade e os direitos humanos em Cuba").

As Damas foram ainda comemoradas neste fim de semana com o prêmio Milton Friedman de ações pela liberdade, concedido por uma comissão do americano Cato Institute que teve entre seus integrantes o ex-presidente mexicano Vicente Fox.

"Não formaram um grupo opositor nem representando partido ou estrutura política alguma, apenas pedindo justiça", define o grupo, sobre suas integrantes. "As Damas de Branco se encontrarão, rezarão e testemunharão todos os domingos até que os presos políticos de Cuba sejam libertados."


Sentadas no chão, ativistas do grupo “Damas de Branco” tentam resistir
à prisão em foto de 2016 - ADALBERTO ROQUE / AFP

AVANÇOS PARCOS EM DIREITOS HUMANOS

Especialistas em direitos humanos ressaltaram nesta semana que o legado de Raúl no setor foi insuficiente para provocar esperança em avanços na liberdade de expressão. O que mudou nos últimos anos, dizem especialistas, foi a tática utilizada por Raúl Castro, bem mais pragmático que seu irmão, Fidel. E esta deve continuar sob Díaz-Canel.

— Não há nenhuma mudança fundamental na legislação. As políticas, normas, práticas e leis repressivas do governo não mudaram um milímetro. Ainda é impossível fundar organizações de direitos humanos ou sindicatos ou organizar greves no país — explicou ao GLOBO José Miguel Vivanco, diretor-executivo da Divisão de Américas do Human Rights Watch (HRW).

Uma das mudanças diz respeito ao número de detenções arbitrárias de curta duração, que aumentou dramaticamente entre 2010 e 2016 — de uma média mensal de 172 incidentes para 827 — e foi menor no ano passado: foram 5.155 prisões rápidas, quase a metade das 9.940 de 2016, de acordo com a Comissão Cubana de Direitos Humanos e Reconciliação Nacional. O governo cubano, no entanto, continua a usar outras táticas repressivas, incluindo espancamentos, difamação, restrições à circulação e encerramento de contratos de trabalho. E os agentes de segurança raramente apresentam mandados de prisão para justificar a detenção.


Em foto de 2016, mulheres do grupo Damas de Branco são levadas
 por policiais após manifestação em favor da liberdade de presos políticos
- Daniel Ramalho

Em alguns casos, os detidos são soltos após receberem notificações oficiais, que podem ser usadas por promotores posteriormente em processos criminais para mostrar um padrão de comportamento “delinquente”. Para Robin Guittard, responsável por campanhas da Anistia Internacional para o Caribe, vale ressaltar, novamente, que o que mudou foi a tática utilizada.

— Um dos desafios mais históricos ainda é o tema da repressão de dissidentes políticos e ativistas de direitos humanos. O que dizemos é que é a repressão não mudou, mas a tática do governo — afirma ao GLOBO. — Nos últimos dez anos as detenções de longa duração diminuíram, porque o governo se deu conta que manter presos políticos encarcerados era uma mancha internacional. Agora, em vez de 15 anos de prisão, dissidentes são presos 15 vezes ao mês.

(Colaborou Marina Gonçalves)