domingo, 22 de abril de 2018

Com queda dos juros, classe média aumenta em 59% investimento em fundos de maior risco


Guilherme Foureaux, sócio e gestor da MRJ Marejo, que gere o multimercado Marejo Azul - Gustavo Miranda / Agência O Globo


Rennan Setti, O Globo


Juros na mínima histórica, inflação abaixo da meta, Bolsa em nível recorde e retomada do crescimento. Estranha à tradição econômica do país, a combinação promove os primeiros sinais daquilo que se anuncia como uma verdadeira revolução nos hábitos de poupança dos brasileiros. E o segmento dos fundos multimercados, que têm maior liberdade para fazer suas apostas, ilustra como poucos a migração da desidratada renda fixa rumo a aplicações de maior risco, volatilidade e retorno. O número de cotistas dos multimercados aumentou 141% desde o fim de 2016, alcançando 1,2 milhão segundo a Anbima, associação de bancos e gestoras. Descontada a inflação, o patrimônio deles cresceu 32% no período, somando R$ 891,5 bilhões, superando o crescimento dos fundos de renda fixa (16%). O patrimônio só dos investidores de classe média nesse tipo de aplicação cresceu ainda mais: 59%, somando R$ 63,6 bilhões.

Este ano, até fevereiro, os fundos multimercados captaram R$ 23,3 bilhões, mais que o triplo dos de renda fixa. Isso tudo movimenta o mercado de gestoras independentes — especialmente no Rio, que concentra muitos dos grandes nomes dessa indústria — e obriga os bancos a se abrirem para não perder clientes. A dúvida é se a tendência resistirá aos resultados das urnas em outubro.

O interesse dos investidores pelos multimercados foi inversamente proporcional à redução da taxa básica de juros. Entre meados de 2015 e o fim de 2016, a Taxa Selic estacionou no maior nível da história, 14,25% ao ano. Assim, apesar da inflação elevada, qualquer um poderia obter rentabilidade alta sem assumir qualquer risco. Os ganhos dos multimercados também eram elevados — superando os 21% em 2015, na média — mas não o suficiente para fazer o pequeno investidor largar a segurança dos títulos públicos e fundos DI.

Mas quando os juros começaram a cair, chegando a 6,5% conforme a inflação cedia, os ganhos da renda fixa se achataram. O CDI, taxa de referência do menor risco, rendeu 8,20% nos últimos 12 meses. Enquanto isso, a ousadia dos multimercados proporcionou retorno muito maior. Com ajuda das ações na Bolsa, renderam 12,35% em 12 meses, considerando aqueles cuja estratégia tenta antecipar tendências da economia.

— As pessoas demoraram um pouco para perceber isso, mas essa percepção chegou e estamos vendo os resultados dela. Crescemos muito em número de cotistas nos últimos meses — explicou Guilherme Foureaux, sócio da gestora carioca MRJ Marejo, que começou o ano gerindo R$ 37 milhões e espera fechar 2018 com R$ 250 milhões.

BANCOS FORAM OBRIGADOS A REVER ESTRATÉGIA

A procura por fundos multimercados no buscador on-line de investimentos Yubb cresceu 250% nos últimos 12 meses, frente ao mesmo período anterior. Parte do interesse foi convertido em bilhões. Entre os aplicadores da classe média — das categorias varejo e varejo alta renda —, o número de cotistas passou de 264,3 mil em 2016 para 478,3 mil hoje.

Os investidores do segmento private, o dos milionários, já destinam mais da metade (R$ 376,7 bilhões) do seu patrimônio aos multimercados, esnobando a renda fixa (25% do patrimônio total). A predileção se explica pelo fato de, historicamente, grande parte dos multimercados ter sido exclusivamente dedicada a esse público. A atual expansão do segmento acontece com uma série de mudanças na indústria de fundos, ajudando a popularizar esse investimento entre a classe média. Ao mesmo tempo, abre caminho para a proliferação de boutiques de investimento, novas donas do dinheiro.

Os segmentos varejo e alta renda, que concentram esse público, alocam hoje em multimercados apenas 9,4% do seu patrimônio destinado a fundos, mas a aposta vem aumentando. No fim de 2014, a fatia era de 6,9%. Dos R$ 3,6 bilhões captados junto à alta renda nos primeiros dois meses do ano, 48% foram para multimercados e 37%, para a renda fixa.

— Pelo nosso tipo de gestão, não vemos limitação de mercado para nosso crescimento. Enquanto tivermos capacidade de entregar rentabilidade, conseguimos crescer. Mas, primeiro, nos organizamos internamente. Hoje, estamos nos esforçando para reabrir o fundo ainda este ano — conta Giufrida, cuja equipe cresceu de 15 para 34 pessoas desde a fundação da Garde.

Na Adam Capital, uma das estrelas das ruas do Leblon que concentram as boutiques de investimento do Rio, só o fundo de previdência está aberto. Criada em 2015, a gestora já tem R$ 29,1 bilhões no portfólio. Na Truxt, criada no mesmo bairro há menos de um ano, dois fundos já não aceitam novos cotistas.

O fechamento de fundos cobiçados abre oportunidade para gestores tarimbados nos bancos criarem seus próprios negócios oferecendo alternativas. É o caso da paulista Vinland Capital, fundada no fim de março por André Laport, ex-sócio do Goldman Sachs, e James Oliveira, ex-BTG Pactual. Seus dois fundos multimercados, voltados a investidores qualificados, captaram R$ 957,2 milhões em menos de um mês. Também em São Paulo, entra em operação no dia 30 a MZK, de Marco Mecchi, egresso do HSBC, onde chefiou a mesa de operações por mais de uma década.

Além das condições econômicas, contribuiu para a abertura do acesso aos multimercados a chegada das plataformas abertas. Nos últimos anos, empresas como XP e Órama começaram a oferecer na internet um cardápio de fundos de diversos gestores, com investimento mínimo mais baixo. Assim, saíram na frente na captação dos órfãos da renda fixa. A XP, por exemplo, tem hoje 123 fundos multimercados abertos de 33 gestoras. 

Quando começou a oferecer o fundo da Verde, do estrelado Luis Stuhlberger, captou R$ 322,6 milhões só no primeiro dia.

— Ao longo dos últimos quatro anos, investimos em uma equipe robusta de análise e de relacionamento com os gestores, além da parte de tecnologia, para esse momento de migração — explica Gustavo Pires, sócio da XP e responsável pela plataforma de fundos.

A estratégia deu certo e incomodou os bancos, que só ofereciam esses fundos para clientes ricos, do segmento private. Começaram a se mexer. Meses antes de comprar metade da XP por R$ 6,3 bilhões, o Itaú iniciou a distribuição de fundos de terceiros para clientes Personnalité, seu segmento de alta renda. Em setembro, estendeu aos clientes Uniclass, de renda média. Em maio, será a vez do seu segmento de entrada. O banco trabalha hoje com 28 gestores externos, como Gávea, Truxt e Verde.

MAIOR SUPERVISÃO SOBRE AS DISTRIBUIDORAS

O BTG Pactual fez o mesmo em janeiro de 2017 em sua plataforma digital. Em novembro, foi a vez do Bradesco, que oferece produtos de casas como SPX e Kapitalo para clientes Prime (alta renda) e Private. No Itaú, oito dos gestores de fundos oferecidos são estrangeiros, como Pimco e BlackRock. Segundo Claudio Sanches, diretor de produtos de investimentos do banco, o objetivo é ampliar a lista, devido ao fechamento dos fundos das principais gestoras nacionais:

— Com o crescimento dessa indústria, ficará mais difícil achar bons ativos por aqui.
Mas o entusiamo de novos investidores e gestoras pode esbarrar nos efeitos das eleições sobre a economia, pondera William Eid Junior, pesquisador da FGV/EAESP:

— No ano passado, a imensa maioria dos fundos multimercados bateu o CDI. Em 20 anos, eu nunca tinha visto isso. A razão foi o fato de o chamado “kit Brasil”, que são juros em queda, Bolsa em alta e câmbio controlado, ter funcionado como um relógio suíço. Como o brasileiro só investe olhando para o retrovisor, todo mundo foi correndo atrás deles. O problema é que, daqui a pouco, poderão ser pegos de surpresa.

Com isso, a Anbima vai apertar a supervisão sobre o chamado suitability, que verifica se perfil do investidor está de acordo com o risco do investimento. O foco serão as distribuidoras de multimercados com maior captação. A seleção dos “alvos” ocorrerá até maio, e os escolhidos deverão prestar informações mais detalhadas sobre o que foi oferecido aos clientes. Os técnicos também vão avaliar se a classificação de risco dos fundos está adequada.

— É importante que as pessoas tenham noção dos riscos envolvidos, uma vez que não é qualquer um que está disposto a conviver com as oscilações inerentes a um multimercados — alerta Guilherme Benaderet, superintendente de supervisão de mercados da Anbima.

Nome do fundoRentabilidade em 12 mesesRentabilidade em 2018Taxa de administração (ao ano)Valor mínimo de aplicaçãoAberto para captação?
Absolute Hedge FIC FIM 13,293,512,50%R$ 5.000,00Sim
Alaska Range Multimercado-1,03-1,132,00%R$ 5.000,00 Sim
BTG Pactual Discovery FIM 18,054,72,00%R$ 5.000,00Sim
BTG Pactual Explorer FIM 8,961,811,75%R$ 5.000,00Sim
CA Indosuez Infraestrutura Incentivado FIC FIM CP 11,173,970,80%R$ 1.000,00Sim
DLM Hedge Conservador II FIM CP Multimercado 8,932,080,60%R$ 3.000,00Sim
Ibiuna Hedge STH FIC FIM 21,838,882,00%R$ 50.000,00Sim
Mauá Macro FIC FIM Access12,715,91Não informado  R$5.000,00 Sim
Oceana LB FIC FIM Access 18,373,66Não informado R$ 5.000,00Não
Pacifico LB FIC FIM 21,38,112,30%R$ 10.000,00Sim