segunda-feira, 23 de abril de 2018

Em um ano, delação da Odebrecht só resultou em uma condenação


O senador Romero Jucá (PMDB-RR) - Givaldo Barbosa / Agência O Globo


Dimítrius Dantas, O Globo


Passado um ano, a delação da Odebrecht não foi capaz de levar os políticos que denunciou para o banco dos réus. Chamado de “delação do fim do mundo”, o conjunto de depoimentos de executivos da construtora, que veio à tona em abril do ano passado, citava 415 políticos de 26 partidos. A maioria deles, porém, ainda não foi acusada formalmente de nenhum crime. De 270 investigações iniciadas em todo o país a partir da colaboração premiada da empreiteira, apenas cinco se transformaram em ações penais. E só um político foi condenado por corrupção.

No Supremo Tribunal Federal (STF), onde ficaram os casos de deputados, senadores e ministros, a maioria das investigações sequer foi concluída pela Polícia Federal (PF). Dos 74 inquéritos que tramitam na Corte, apenas um virou ação penal. Em outros cinco, a Procuradoria-Geral da República (PGR) pediu o arquivamento por prescrição.

O alvo da única ação penal no Supremo é o senador Romero Jucá (PMDB-RR), acusado de receber R$ 150 mil em propinas para ajudar a Odebrecht na tramitação de duas medidas provisórias. Em março deste ano, a denúncia foi aceita, e Jucá se tornou réu.

Neste caso, os procuradores entenderam que as doações eleitorais da empreiteira foram pagamento de propina. Mas, em outras instâncias, juízes as classificaram como “caixa 2". Enquanto o crime de corrupção pode levar o condenado a pegar 12 anos de cadeia, o caixa 2 tem sido enquadrado no artigo 350 do Código Eleitoral, que prevê pena máxima de cinco anos de prisão.

No último dia 12, o Superior Tribunal de Justiça (STJ) aplicou esse entendimento em um inquérito do ex-governador de São Paulo e pré-candidato à Presidência da República, Geraldo Alckmin (PSDB). Segundo a delação da Odebrecht, o tucano teria recebido R$ 10,3 milhões nas campanhas estaduais de 2010 e 2014 de forma ilegal. Um ano após receber o pedido de investigação, o STJ decidiu mandar o caso para a Justiça Eleitoral de São Paulo, apesar do pedido da força-tarefa paulista para recebê-lo.

Se a investigação ficasse a cargo da Justiça criminal, o ex-governador poderia ter que responder por corrupção. Alckmin perdeu o foro no STJ em 6 de abril, quando deixou o governo paulista para concorrer ao Palácio do Planalto, e, por isso, seria investigado pela força-tarefa. O ex-governador nega que tenha recebido dinheiro por meio de caixa 2.

O STJ recebeu outros 14 inquéritos, além do que envolve o ex-governador paulista.

Nenhum virou denúncia na esfera criminal até agora.

Tribunais estaduais têm repetido o entendimento do STJ e encaminhado para a Justiça Eleitoral casos que envolvem doação de campanha. Dos 14 originados pela delação da Odebrecht que foram para a Justiça Federal da Bahia, 12 acabaram em varas eleitorais. 

Assim como Alckmin, os políticos citados nesses inquéritos serão investigados por caixa 2 e não por corrupção.

QUATRO AÇÕES NA JUSTIÇA ESTADUAL

Além de Juca, outras quatro ações penais que começaram a partir da delação da Odebrecht tramitam nas justiças estaduais, por envolverem políticos sem foro privilegiado.

O caso mais avançado é o do ex-presidente do Banco do Brasil e da Petrobras Aldemir Bendine, condenado a 11 anos de prisão por corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Os delatores afirmaram que ele cobrou propina da empreiteira em troca de proteção após assumir a presidência da Petrobras em 2015. Atualmente, Bendine está preso no Complexo Médico Penal de Pinhais, na região metropolitana de Curitiba.

Também em Curitiba, o ex-presidente Lula é réu no processo que investiga reformas realizadas pela Odebrecht e a OAS em um sítio de Atibaia, no interior de São Paulo. A acusação se baseou na colaboração da empreiteira. Lula nega que seja beneficiário das reformas. O ex-presidente, porém, está preso por causa de outro processo. Ele foi condenado a 12 anos de prisão por corrupção e lavagem de dinheiro no caso do tríplex do Guarujá (SP).

No Rio, as acusações do MPF contra o presidente afastado da Assembleia Legislativa, Jorge Picciani (PMDB), usaram informações prestadas pelos delatores da Odebrecht. 

Segundo eles, Picciani teria recebido R$ 11 milhões de propina da empreiteira. Ele está em prisão domiciliar após decisão do STF.

A quinta denúncia da “delação do fim do mundo” foi feita no Distrito Federal, contra o ex-deputado Moreira Mendes (PPS-RO), acusado de receber R$ 100 mil para favorecer a empreiteira em projetos de lei.

A agilidade dessas varas não é vista no resto do país. Mais de cem pedidos de investigação ainda não avançaram para a fase de denúncia.

Policiais que atuam nas investigações reclamam da falta de detalhes das colaborações premiadas da Odebrecht. Segundo eles, os depoimentos foram tomados em um prazo curto e não foram aprofundados, levando a acusações genéricas. Durante as negociações do acordo, PF e MPF brigavam pelo protagonismo na assinatura de delações. No caso da Odebrecht, só procuradores participaram das tratativas.

— O pontapé inicial (das investigações) foi vago demais — disse um delegado de São Paulo ouvido pelo GLOBO.

A demora trabalha a favor dos réus, principalmente daqueles com mais de 70 anos, já que, nesse caso, o prazo para prescrição cai pela metade. Nos crimes de corrupção, por exemplo a prescrição cai para seis anos. (Colaborou Gustavo Schmitt)