sexta-feira, 25 de maio de 2018

"Cidadãos viram reféns do setor de transporte de carga", por Rachel Landim


Caminhoneiros bloqueiam o rodoanel Mário Covas entre a rodovia Anchieta
e rodovia dos Imigrantes, nesta quinta (24) - Folhapress

Folha de São Paulo

A constituição federal garante aos trabalhadores brasileiros, com algumas exceções, o direito à greve para lutar por melhores salários e condições dignas de trabalho. A lei, no entanto, é clara: a greve é um direito dos empregados e não dos proprietários.
Os donos de caminhões —​sejam autônomos ou transportadoras— não tem direito à greve. O chamado locaute é absolutamente proibido pela legislação. 
A greve que está parando o Brasil  - e que ainda não deu uma trégua nesta sexta-feira (25), mesmo depois do acordo fechado entre o governo e associações de classe  -  é, na verdade, uma queda de braço  entre fornecedores e clientes.
Tudo começou porque a Petrobras alterou sua política e passou a reajustar os preços dos combustíveis seguindo o mercado internacional, depois de anos sendo utilizada pelo governo como âncora para a inflação. Com a escalada recente do petróleo, os reajustes se tornaram praticamente diários.
O setor de transporte de carga não teve outra alternativa a não ser absorver o aumento do custo do combustível, porque a Petrobras, na prática, detém o monopólio do refino de petróleo no país. As distribuidoras até podem importar um volume pequeno de gasolina e óleo diesel, mas a logística é complicadíssima e acaba não valendo a pena.
Digo setor de transporte de carga e não caminhoneiros, porque a figura do motorista autônomo, dono do próprio caminhão, é cada vez menos importante no Brasil. As transportadoras e as cooperativas já respondem por mais de 60% dos caminhões que circulam no país. As maiores chegam a ter mais de mil veículos.
Ao tentar repassar a alta do combustível para o preço do frete, o setor de transporte de carga bateu num muro quase intransponível. As empresas contratantes —fornecedores de alimentos, montadoras de veículos, fabricantes de remédio, etc— simplesmente não aceitaram, porque sofrem com os efeitos da recuperação lenta da economia. E, neste caso, as empresas tem diversas alternativas de contratação de frete. Se subir demais, mudam de transportadora.
Com suas margens de lucro muito apertadas, os caminhoneiros –com apoio velado das transportadoras, que alegam estarem preocupadas com a segurança de motoristas e cargas, mas mantém seus veículos na garagem dando força ao movimento– resolveram parar o país.
A situação dos caminhoneiros é certamente delicada, mas não difere muito de outros segmentos de uma economia ainda em crise. Sem margem de negociação com o cliente, o setor não pode usar os cidadãos brasileiros, que enfrentaram diversos tipos de transtorno nesta semana, como reféns para vencer a queda de braço com o fornecedor. E, principalmente, o governo não deve permitir que isso aconteça.
Raquel Landim
Jornalista formada pela USP, escreve sobre economia e política